"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos".
Talvez eu esteja a cometer uma tremenda heresia literária com Fernando Pessoa, todavia peço não apenas a permissão, mas também o perdão de todos vocês, caros amigos leitores, por discordar dos versos acima, de autoria deste que é considerado um dos maiores poetas do mundo.
Mas, como deixar de lado as minhas camisas das tantas corridas que já disputei?
Como abandonar estas camisas usadas - algumas já surradas -que guardam tantos caminhos percorridos e que sempre me levam a lugares dos mais diferentes, para viver emoções tão fortes, conhecer pessoas tão saudáveis?
Como esquecer todo o tempo da minha travessia pelas praças, ruas e avenidas, no asfalto, na grama ou na terra batida?
Ouso fazer as travessias proporcionadas pelas corridas para, justamente, não ficar à margem de mim mesmo, porque quem corre sai de si, vira outro, se transforma, se reconstrói e passa a não ser mais aquele que saiu da linha de partida ou que cruzou a linha de chegada!
As camisas das corridas conferem a identidade marcante do corredor.
É como sua própria digital, sua segunda pele.
Nelas estão guardadas tantas lembranças.
Têm a marca invísivel do suor e da transpiração, da água que nos refrescou nas provas - águas já passadas - mas guardam, também, os sinais indeléveis do esforço, insistência e persistência, dos desafios superados, barreiras ultrapassadas, medalhas conquistadas e, então, o que resta são muitas histórias para se contar.
Sua dor ou seu prazer. Sua dor e seu prazer!
Sua velha camisa, tão cansada de guerra, não admite ser esquecida num fundo de armário, nem doada nem transformada em pano de chão, tampouco usada como pedaço de pano para lavar e enxugar o carro.
Ela é prova viva da sua história!
Talvez ela não valha nem mais nem menos que sua medalha, mas, quem sabe, não está no mesmo grau de importância?
Delas sinto ciúmes.
Elas me cobrem como um manto, protegem o meu peito, caem bem em meus ombros e me abraçam, como se me acariciassem.
Elas são uma reverência à saudade, à saúde, porque a corrida dá mais cor à vida!
Minhas velhas camisas de corrida, bordadas, desenhadas ou pintadas por um artista qualquer trazem à tona momentos passados, por isso merecem respeito.
Mergulhe nesta ideia: corra! E viva mais!
A velha camisa de corrida pode se transformar em arte, virar palavra, prosa ou poesia para existir no mundo!
Vamos correr!
Eduardo Durães
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