sábado, 24 de novembro de 2012

Das dores de corredores


Qual sua dor, corredor?


Dor de não poder correr.
Dor de não correr como deseja correr.
Dor de não sentir a deliciosa sensação de fadiga.
Dor de não sentir as dores musculares de quem corre.
Dor de não viver toda emoção que só os corredores 
podem viver quando correm.
Dor de não sentir adrenalina.
Dor de não sentir estímulos da endorfina, 
da serotonina, da noradrenalina...
Dor de não ter foco.
Dor de não atingir uma meta.
Dor de não cumprir um objetivo.
Dor de não superar a si mesmo.
Dor de perder um treino.
Dor de ter que abandonar os treinos 
porque sente muita dor.


Dor de ter que se reconhecer humilde.
Dor de não conhecer o próprio corpo
(todo corredor deve conhecer o próprio corpo).
Dor da autocobrança.
Dor da autoconfiança.
Dor de ficar sem o longão.
Dor de não completar sua planilha.
Dor de não ter os intervalados.
Dor de não dar um tiro.
Dor de não sentir a dor deliciosa das subidas.
Dor de não sentir o relaxamento das descidas.
Dor de não conseguir correr 5 km.
Dor de não avançar para 10 km.
Dor de não ir mais adiante até os 21 km


Dor de não ter o gosto de um dia, pelo menos uma vez na vida, 
correr o que todo corredor deve correr: 42.195 km de uma maratona. 
E enfrentá-la e completá-la, seja como
 for: trotando, andando, rastejando, se necessário.
Dor que sente da carga de treinamento.
Dor do calçado inadequado.
Dor do tipo de terreno.
Dor do medo de não ter saúde.
Dor de perder a rotina da corrida.
Dor de não respirar direito.
Dor de não ter o ritmo certo.
Dor de dar a passada errada.
Dor de  perder o condicionamento físico.
Dor de sair da freqüência cardíaca.
Dor das dores musculares.
Dor de todas as dores.
Dor da hérnia de disco.
Dor da síndrome da banda iliotibial.
Dor da fasceíte plantar.
Dor do estresse tibial.
Dor da síndrome da patelo-femoral.
Dor da lesão muscular.
Dor da fratura por estresse.
Dor do overtrainning
Dor de não cruzar a linha de chegada.
Dor de não ter mais (uma) medalha.
Corredor, me diz qual sua dor?


terça-feira, 20 de novembro de 2012

A Maratona de Curitiba me deu uma lição


A Maratona Caixa de Curitiba me deixou uma verdadeira lição, a maior que já tive até hoje passados 13 anos das experiências que a corrida tem sido capaz de me oferecer, principalmente, nos dois últimos anos, quando, precisamente, voltei a disputar com maior frequência as provas oficiais, após várias interrupções ao longo deste período.

Desde de que comecei a correr, meu objetivo sempre foi (e continua sendo) conseguir  cruzar a linha de chegada. Não me importo tanto com o tempo que preciso para percorrer determinada distância, especialmente nas provas mais longas, como os 21 km de uma meia ou os temidos 42.195 km da maratona. Também não tenho preparo adequado e nem condições físicas para tal.

A corrida, para mim, ainda é um exercício do prazer, não de competição.

Jogando confetes sobre mim mesmo - andam dizendo por aí que eu adoro isso - posso dizer que estou até razoavelmente bem, afinal já consegui completar duas maratonas, num espaço de quatro meses uma da outra.

Entretanto, todo corredor é movido a desafios. Ele quer sempre, na próxima competição, ter um objetivo a mais, diferente do anterior. No clichê dos corredores, é a tal da "superação de si mesmo".

Para isso, pelo menos na minha forma de enxergar, o corredor tenta, na oportunidade seguinte, melhorar sua forma de correr, seu tempo para completar a prova,  e, imagino eu, para alcançar tal objetivo, leva sempre em conta experiências adquiridas do asfalto que percorreu anteriormente.

Aliás, a vida é assim: também na corrida para construirmos nosso futuro e tentar fazer dele algo melhor e mais bonito, não vivemos ou talvez não possamos vivê-la (a vida)  - sob pena de sofrermos consequências danosas - sem deixar de lado as lições, histórias  e os passos que deixamos para trás, as pessoas que estiveram no nosso caminho e os acontecimentos pelos quais passamos.

É por isso que considero a corrida um exercício de autoconhecimento. Em cada corrida, há mesmo a busca da superação de si próprio: é quando entra em cena uma briga contínua, insistente, de você com você, que procura não apenas suportar, mas vencer suas dores, respeitando os limites e possibilidades de seu corpo, lutando contra as condições climáticas e outros fatores adversos. (Excluo deste raciocínio, claro, os competidores profissionais, que, além do desafio pessoal de sempre se apresentaram da melhor maneira possível nas provas, ainda almejam o primeiro lugar no pódio).

Na corrida, o dono e senhor absoluto de tudo o que acontece é você mesmo. É você quem decide se vai voar ou se vai trotar, se irá correr de um jeito ou de outro, conforme a estratégia e o planejamento traçados.

Seguindo esta rota de argumentação, penso também que a corrida é o momento supremo em que nos tornamos, acima de tudo, livres. 

Na minha poética de corredor, a corrida é o ápice da minha liberdade. É nela que me sinto liberado das algemas das tristezas, decepções e fracassos da minha vida; mas é nela, também, paradoxalmente, que me sinto vivo, realizado, feliz, motivado. É a corrida que não me faz desistir e não parar. 

O grande problema, na minha forma de entender - e a Maratona de Curitiba me mostrou isso com muita clareza - é quando você passa a se considerar maior que a corrida, quando acha que pode ir além do que a corrida te oferece ou quando pensa, também, que você é um Clark Kent das pistas e que seu corpo pode te dar mais do que você exige dele. É você achar que a kryptonita que brota do asfalto não vai minar sua força e resistência e te derrubar.

É nesta hora que você tropeça em seus próprios passos, se enrola em seus cadarços e quebra a cara, ou melhor, corre o risco de se estourar todo.

Foi em Curitiba - que, aliás, eu só vim a saber depois que era considerada uma das maratonas mais difíceis do país, em função do nível de exigência - correndo pelas ruas, avenidas, ora subindo ora descendo pontes e viadutos, que recebi uma verdadeira lição de humildade, sendo obrigado a me despir da minha empáfia de corredor.

O que houve, na verdade, foi que superestimei minha capacidade.

Tão feliz e motivado eu estava por correr ali, com minha máquina a tiracolo e, volta e meia, dando uma parada estratégica para captar as imagens que gosto de registrar, que acabei virando refém do meu entusiasmo e negligenciei todo o treinamento que eu havia feito para participar da maratona. Esqueci da máxima do futebol que, neste caso, também, agora, passa a me valer nas corridas: "treino é treino, jogo é jogo". Até que treinei bem, mas, na hora de jogar, ou melhor, na hora de correr...

Resultado disso é que, apesar de ter começado a prova num ritmo moderado, sempre correndo dentro das minhas possibilidades, acabei por me empolgar demais a partir do quilômetro 21, que cruzei com duas horas e quatro minutos. 

Foi então que minha soberba de corredor falou mais alto. 

Acelerei meu ritmo na crença de que eu poderia até mesmo acabar a prova com um tempo menor ou pelo menos igual às duas horas e trinta e seis minutos que eu havia feito no Rio de Janeiro, na primeira vez que corri os 42.195 km, em julho deste ano.

Resultado da vaidade e da minha empáfia: "quebrei" muito cedo, logo no vigésimo oitavo quilômetro, antes, portanto, de ultrapassar o tal "muro" dos 30 km de uma maratona, o que, segundo especialistas, para boa parte dos corredores, devido ao desgaste que o corpo sofre durante a prova, é quase tão difícil e um desafio tão grande de se superar quanto completar os 42 km.



Em função do esforço intenso e prolongado é que, em determinado momento, conforme os entendidos do riscado, as reservas de energia do corpo tendem a se esgotar, causando tremenda fadiga no sistema nervoso central. Bem, são palavras de especialistas e, disso, eu não entendo patavinas, mas respeito muito. 

Assim, fui obrigado a diminuir bastante meu ritmo, chegando a trotar bem de leve mesmo, muitas vezes até andando para não comprometer o restante da prova. Senti um fisgada muito forte na parte posterior da coxa esquerda, seguida de câimbras, que, logo mais a frente, atingiriam também a perna direita.

Imaginem vocês o impacto de um acontecimento destes em alguém que está acostumado a correr  até razoavelmente, que sempre completa as provas sem tanto sofrimento assim, mas que, por uma estratégia errada, por superestimar sua própria capacidade, foi obrigado a andar, porque, simplesmente, o corpo não respondia quando precisava e queria correr.

Nas ruas da capital paranaense - lugar, aliás, ótimo para se correr, com ruas arborizadas e condições climáticas bem legais -  foi que aprendi um pouquinho mais sobre a tal humildade, necessária para tudo na vida, inclusive. 

Foi ali que vi que não podia me projetar para além do meu corpo, acima da minha capacidade, das minhas possibilidades, nem mesmo me sobrepor ou tentar ser superior a tudo isso, inclusive sobre a própria corrida.

Precisei, portanto, num momento de lucidez, tomar um gatorade, ter bom senso e reavaliar minha estratégia para seguir em frente. 

Vi muitos corredores "quebrados", vários caminhando, inúmeros fazendo um esforço tremendo para também não esmorecerem e conseguirem dar conta de completar o percurso - espero que todos tenham conseguido.


Então, coloquei os tênis da humildade, e, carregado pelo incentivo que vinha ora dos próprios atletas ora dos que assistiam à prova (oferecendo gelo e até mesmo coca cola), consegui, enfim, cumprir meu propósito, que era tão somente o de completar a prova, fosse como fosse: correndo, trotando, andando ou rastejando. 

Completei correndo e, ainda bem, não me estourei, embora, no dia seguinte à prova, na segunda (19), para subir uma escada só mesmo com ajuda de um corrimão, tamanhas eram as dores na parte da frente das coxas.

Foram necessárias  quatro horas e cinquenta e cinco minutos para que eu cruzasse a linha de chegada e, mais importante que isso, para que a corrida me desse mais uma das inúmeras lições de vida que tenho tido a cada vez que coloco os pés na rua para correr.



Desta vez, a corrida me ensinou como ser humilde. Tenho certeza de que aprendi a lição.

Obrigado, Curitiba.

Abraço a todos.

Até a próxima corrida.

Vamos correr!