sábado, 8 de dezembro de 2012

Somos todos corredores


O padeiro que faz o pão
o devoto e sua oração
o poeta e sua poética criação
o namorado e suas táticas de sedução
os amantes e suas estratégias de traição

Versos no chip de cronometragem

o criador e suas criaturas
o caricaturista e suas caricaturas
o operário no trabalho, que de prazer, passou a agrura
o amargurado e suas amarguras
o guarda imperial e suas armaduras
o funcionário e os baixos salários
o economista querendo decifrar o ciclo inflacionário
a grávida e o bebê embrionário
o homem das palavras e seu dicionário
o pesquisador e seu questionário
a bruxa e seu caldeirão de bruxarias
os cantores e suas cantorias
O Luiz com suas melodias
o homem que busca a si mesmo através da logosofia
o filósofo e suas filosofias
o padre e suas homilias

Somos todos corredores: cada um com seus
desafios pela vida afora

o engenheiro e seus arranha-céus
a abelha na colmeia para fazer o mel
a moça que esconde a beleza atrás do véu
o povo na festa fazendo escarcéu
o denunciado que vai responder como réu
a dançarina e sua dança sensual
a lavadeira que lava roupa no quintal
o craque de futebol e sua jogada genial
a atriz e sua interpretação magistral
o maestro e sua orquestra imperial
o empresário a administrar sua riqueza
o fraco lutando pra vencer sua fraqueza
o franco e sua franqueza
a miss que depende de sua beleza
os pobres na sua triste pobreza

Seu caminho pela vida pode ser belo

o advogado que só sabe falar  de processos
as relações de trabalho e seus retrocessos
o espectador e a luta pra conseguir o ingresso
os parlamentares que não honram o Congresso
o gráfico e seu trabalho impresso
os juízes e suas sentenças
os doentes brigando contra suas doenças
os indiferentes com suas indiferenças
os diferentes com suas diferenças
o descrente e suas descrenças
a prostituta que vende o corpo por mero prazer
Shakespeare que morreu e não resolveu a eterna dúvida entre ser ou não ser
o lixeiro e o lixo pra recolher
o vendedor e coisas pra vender
o floricultor e as flores pra colher

Na vida, assim como na corrida,
é você quem escolhe seu caminho

o devedor e as contas a pagar
a costureira e as roupas para remendar
o farmacêutico e os remédios pras dores remediar
o orador e suas palavras brilhantes para falar
o coveiro e os corpos pra enterrar
o sambista e seu samba enredo
o macumbeiro e as macumbas no terreiro
Kate Middleton à espera do futuro herdeiro
o relojoeiro que acerta os ponteiros
os espiritualistas que vivem nos mosteiros
as crianças, suas purezas, suas brincadeiras
o bêbado e suas bebedeiras
o artesão que fabrica suas pulseiras
o marceneiro que molda a cadeira
o executivo preocupado com a carreira
o jornalista e a sede do furo
os meninos que roubam frutas e pulam o muro
a criança que tem medo do escuro
o imaturo querendo ser maduro
todos nós de olho no futuro
o corredor e suas corridas
nas subidas e descidas
nas ruas e avenidas
nas chegadas e partidas
nos encontros e despedidas
somos todos corredores
nesta louca corrida
que é a maratona da vida!

A vida é uma maratona com linha de chegada e partida



quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Uma maratona para Débora



"Não se luta contra o destino; o melhor é deixar que nos pegue pelos cabelos 
e nos arraste até onde queira alçar-nos ou despenhar-nos."
(Machado de Assis, em Esaú e Jacó)



Ela jamais havia colocado um par de tênis para correr. Aliás, nem tênis de corrida tinha.


Débora em uma de suas
 primeiras corridas 
Correr era algo que ela, também, nunca se arriscara a fazer. 

No máximo, talvez imaginasse que correr poderia ser, apenas, um verbo que aparecia nos dicionários e nas gramáticas ou aquilo que todos fazemos todos os dias pela vida afora: acordamos sobressaltados, engolimos o café da manhã e saímos correndo para o trabalho para garantir o sustento de mais um dia de vida, afinal, a vida é mesmo muito corrida.

Entretanto, o acaso acabou por transformar-se num destino irrefutável na vida da corredora paulista Débora Pires, a quem tive o grato prazer de conhecer pessoalmente em Curitiba, quando lá estive no dia 18 de novembro, para correr a maratona da cidade.

Débora começou a correr e
 não parou mais
Foi, também, uma oportunidade bacana para ouvir um pouco de sua história de muito esforço, dedicação, persistência e amor à corrida e saber como este esporte transformou uma vida até então meramente cotidiana - aquela que nos leva de casa para o trabalho e do trabalho para casa, com atalhos que passam por um supermercado ou por uma padaria -  numa vida  repleta de aventuras, muitas viagens, novas amizades, novos desejos e metas.

A corrida entrou na vida da advogada Débora há quatro anos. E foi sem querer mesmo. Uma amiga dela, que já era corredora de carteirinha, maratonista até, iria participar de uma corrida em São Paulo e queria que o marido, outro corredor, também estivesse presente.

O pedido da amiga para Débora era muito simples e não demandava qualquer esforço. 

Não seria necessário acordar cedo, colocar short, camiseta, tênis e nem o chip de cronometragem, tampouco afixar o número de inscrição no peito.

Com a corrida, Débora também
 mudou os hábitos alimentares
Era apenas "emprestar" o nome para o marido da amiga correr a prova. Como amigo(a) não falha com amigo (a), assim foi feito.

O que Débora não podia imaginar é que o marido da amiga, por motivo desconhecido, passaria  a inscrição para um outro amigo e que este fosse terminar a prova com um dos destaques. Era julho de 2008.

No dia seguinte, a paulistana Débora viveu seus quinze minutos de fama. Muitos queriam saber como alguém que nunca havia corrido sequer até a padaria da esquina havia conseguido vencer uma prova - afinal, o nome dela saiu publicado na lista oficial dos resultados da corrida.

Diz o ditado que "quem faz a fama, deita na cama". Débora, portanto, nem confirmou nem desmentiu, mas ouviu a amiga que lhe fez o pedido dizer algo mais ou menos assim: 

Débora: "Começar a correr representou
uma superação total na minha vida"
- Agora que você já ficou "famosa" porque não aproveita e começa a correr de vez? Tenho certeza de que você vai adorar.

"Ela encheu minha cabeça com todo aquele discurso de corredor apaixonado. Eu, na época, com uns 10 quilos a mais, pernas meio tortas, respiração horrível. Puxa, aquilo representaria uma superação total para mim. Porque não tentar", pensou Débora, na ocasião.

Parecia mesmo que o destino estava calçado com tênis e disposto a mudar a vida de Débora através da corrida. 

A partir daí, ela  "juntou a fome com a vontade de comer": é que a instituição bancária em que trabalha em São Paulo patrocina corridas, como uma forma de promover a saúde e também maior integração entre os empregados,  e se ali já estava uma "corredora famosa", não custava ir em frente, não é mesmo?
Novas amizades surgiram desde
que Débora começou a correr 

"Então, eu, que sempre gostei de desafios, comecei a treinar, me inscrevi para participar de uma prova e fiz minha primeira corrida de 10 quilômetros em 1 hora e 24 minutos. Dai pra frente não parei mais", lembrou, emocionada, ao me contar toda a história.

Antes de começar a correr, ainda em 2008, Débora já frequentava academia, mas, quando começou a levar a corrida mais a sério, começou a fazer regime. Em 2012, tomou outra atitude decisiva: procurou uma nutricionista e fez uma reeducação alimentar. Foi quando, segundo ela, passou a se alimentar melhor e corretamente. "Passei a comer bem, sem engordar, e a ter mais energia", recorda.

Um ano depois, em 2011, e várias provas disputadas, Débora tomou outra atitude: se matriculou numa assessoria esportiva, a Life Training.

No mesmo ano, já se valendo das orientações da assessoria e beneficiada pelo apoio dado ao esporte pela instituição em que trabalha, teve a oportunidade de, pela primeira vez, correr fora do país. 

Selecionada pelo banco, junto a outros colegas, Débora foi para o Reino Unido. Lá, em Londres, participou de uma prova patrocinada pelo banco -   a competição dura três dias, período em que os participantes percorrem entre 180 a 200 quilômetros em sistema de revezamento.

Débora já participou de duas meias
maratonas em Buenos Aires
Débora também esteve em Buenos Aires, na Argentina, onde participou de duas meias-maratonas - uma em 2011 e outra em 2012.

No Brasil, correu 28 quilômetros de um desafio total de 140 quilômetros na prova "Volta à Ilha", em Florianópolis, também no ano passado - Débora calcula que até hoje já tenha participado de cerca de 95 provas, incluindo corridas de rua e corridas em montanhas, outra modalidade de que gosta muito.


Com o passar do tempo, Débora descobriu na
corrida em montanhas outro grande prazer

A meta dos 42.195 km

Desde que começou a correr e sempre motivada por mais desafios, Débora passou a acalentar um desejo: participar de uma maratona e correr os temidos 42.195 quilômetros.

Esta louca vontade começou a brotar exatamente no momento em que corria a prova em Londres, em 2011.

"Num dos dias em que participei daquela prova extensa, que tem um percurso total de 200 km, com revezamento entre os atletas, eu passei na beira de um canal em um local em que não me recordo o nome. Naquele momento, muitas coisas passaram pela minha cabeça. Era um lugar lindo como um cenário de filme. Eu estava sozinha, apenas com meus pensamentos. Naquelas duas horas em que demorei para concluir os 21 quilômetros, passou um filme de toda a minha vida pela cabeça. Muitos projetos eu desenhei naquele percurso e um deles foi correr minha primeira maratona",  lembrou Débora, num relato emocionado. 

Quando voltou para o hotel onde estava hospedada, Débora enviou uma mensagem para o treinador de sua assessoria esportiva. "Eu disse assim: Leandro, vou correr uma maratona em 2012. Por favor, prepare meu treino e escolha uma para que eu possa correr. Mas não se esqueça de que eu tenho problemas com a temperatura (não pode estar muito calor), por isso, preciso que seja uma prova que aconteça no inverno", relembrou.

Para pular de uma modalidade (meia maratona, com percurso de 21 km,  para outra - a maratona, com 42.195 km, em que se exige bastante do preparo físico e mental do atleta),  Débora fez um planejamento de quase um ano, e uns quatro meses antes da prova propriamente dita, intensificou os treinamentos, fechou a boca  e acrescentou os chamados "longões" nos finais de semana.

Uma "corredora famosa", não correria em qualquer lugar, não é mesmo?

Como todo o apoio do treinador, Débora foi escolher correr justamente uma das provas mais importantes do mundo: a Maratona de Nova York, realizada tradicionalmente no primeiro domingo de novembro. 

Imagine bem começar a correr na Staten Island, atravessar "Verrazaono Bridge", chegar ao Brooklyn, subir até Queens, passar por "Queensboro Bridge", chegar a Manhattan, ir até o Bronx, voltar a Manhattan pela "Madison Avenue Bridge e, finalmente, cruzar a linha de chegada em pleno "Central Park"?

Mas, correr em New York não é nada fácil: é mais ou menos como passar um elefante por uma agulha. 
Débora deu uma de tiete e garantiu uma foto
com o maratonista Marilson Gomes dos Santos,
antes do embarque para Nova York 

Débora conseguiu efetivar a inscrição somente após fazer uma doação a uma entidade que cuida de crianças obesas em Nova York - todos os recursos foram arrecadados junto aos colegas que com ela trabalham no banco. A camiseta da prova levou a assinatura de todos os colegas. 

E não é que no início de novembro deste ano, lá se foi Débora para Nova York? Até com o Marilson Gomes dos Santos, nosso grande atleta, ela se encontrou no aeroporto antes do embarque. Lógico: deu uma de tiete e garantiu a foto.

Lá, viveu toda a emoção que antecede o clima das provas, pegou frio de 1 grau negativo, e até treinou no Central Park, mas não conseguiu correr porque contava que haveria um furacão (Sandy) no meio do caminho.

Lamentavelmente, a organização cancelou a prova diante dos inúmeros problemas causados pela catástrofe em várias cidades dos Estados Unidos, inclusive na própria Nova York
Em Curitiba, Débora usou camiseta com assinaturas de
todos os amigos que contribuíram para que ela arrecadasse recursos
para correr a Maratona de Nova York, mas evento acabou cancelado

Desapontada por não ter conseguido correr naquele lugar tão belo e místico para os corredores, Débora não desistiu do enorme desejo de correr sua primeira maratona.

Lá de fora mesmo soube da maratona de Curitiba, fez a inscrição e, quase duas semanas depois de desembarcar no Brasil, se mandou para lá, onde, enfim, faria sua estreia nos 42.195 km.

Mal disfarçando a ansiedade que toma conta de todos os corredores nos momentos que que se aproximam de qualquer corrida, Débora estava prestes a materializar nas ruas da capital paranaense toda a vontade de percorrer aquela distância, na certeza de que, ali, desaguaria todo seu empenho, persistência, força e suor e tudo aquilo que passou a partir do momento em que deu oportunidade para que a corrida entrasse na sua vida.

Pude acompanhar toda esta emoção estando ao lado de Débora e de outros amigos que também tiver o prazer de conhecer em Curitiba, como Cláudio Okano, Denilson Morales e Deniela Tardeli, todos de São Paulo. Corri parte do percurso com eles. Foi sensacional aquela experiência. 

Para mim, era mais uma corrida, mais uma história para contar, mais amigos para incluir na minha vida.

Com o amigo e grande incentivador Claudio Okano,
a paulistana correu sua primeira maratona em Curitiba
Débora correu o tempo todo ao lado do fiel escudeiro Cláudio Okano, a quem carinhosamente chama de "Mestre Okano". 

Para domar a ansiedade própria de todo corredor - que fica olhando e conferindo no relógio o tempo de prova - Okano sugeriu que ela corresse sem o equipamento.

A paulistana correu e correu muito bem e certamente sentiu, em Curitiba,  todas as dores e alegrias de quem se arrisca a correr uma maratona. 



No final das contas, o saldo foi bem positivo: levou 4 horas e 15 minutos para completar os 42.195 km e a sensação de que o desejo fora, então, definitivamente, saciado.

"Chorei muito e imediatamente liguei para meu treinador para agradecer tudo o que passei, todo o treinamento, todas as horas de dedicação", disse-me Débora, após a prova, numa mistura de satisfação, alegria e porque não dizer até mesmo um certo alívio.
Enfim, ela cumprira seu desejo maior.

Nunca li nada do filósofo espanhol Ortega y Gasset, mas lembrei-me de uma frase dele de tempos atrás, que ilustra bem a história de Débora: "o destino de cada homem é seu maior prazer".

Do acaso ou destino, Débora viveu, em Curitiba, seu maior prazer. E que prazer delicioso!

Abraço a todos e boas corridas.


Vamos correr!