Normalmente, minhas corridas começam bem antes da corrida propriamente dita. Os bastidores de toda viagem e de toda corrida, enfim, são sempre uma oportunidade deliciosa.
Como gosto de uma boa história, fico sempre atento, de olhos bem abertos e orelhas em pé, para ver se encontro um colega corredor por aí.
A exemplo de tantos grupos sociais que se formam aos montes, os corredores também são uma tribo à parte.
Minha tática para identificá-los é simples: eu olho para os pés - geralmente, eles estão com tênis próprios de corredores - e, quase simultaneamente, para a camisa que estão usando. Não raro, é uma vestimenta (camisa, camiseta ou agasalho) alusiva a alguma corrida.
Assim tem sido pelos vários lugares que tenho andado para correr e não foi diferente na vinda aqui para Curitiba.
Um encontro com corredores ocorreu já no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, onde desci para fazer conexão para a capital paranaense, na manhã deste sábado, 17 de novembro.
Logo na saída da aeronave, seguindo meu faro, perguntei a um dos três que seguiam à minha frente (lógico, depois que olhei para os pés) se o destino era o mesmo que o meu.
Acertei na mosca. Disseram-me que também vinham de Minas, dois deles de Montes Claros (no norte do estado), terra do meu pai, e desembestaram a falar, tão rápido quanto o ritmo que devem imprimir na prova - o terceiro colega saiu de lado para ir ao banheiro.
- "Este ano", disse um eles buscando confirmação do outro, "já fiz a Maratona da Linha Verde, em Beagá, a Maratona de Foz do Iguaçu (PR), a Maratona de São Paulo, a Maratona de Porto Alegre (RS), a maratona ..."
Entre espantando e admirado, pensando "meu Deus, este homem ou vive pra correr ou corre pra viver," interrompi, perguntando:
- "Puxa, quantas maratonas vocês fazem por ano?
- "Umas seis", devolveu o colega.
Ambos tinham, com certeza, mais de cinquenta anos - um deles, aliás, com os cabelos totalmente grisalhos, não tinha menos que 65 anos, acredito eu. E com um físico natural de fazer inveja a muito bombado artificial.
Todo corredor é mesmo um prosa, gosta de contar e ressaltar seus feitos. Acho mesmo que, nestas horas, há quem acredite se sentir quase como os grandes maratonistas da história, tipo um João da Mata, um Rolando Veras, um Vanderlei Cordeiro de Lima, um Marilson Gomes dos Santos, quiça como os africanos famosos tipo um Paul Tergat, um Martin Lel, um Robert Kipkoech Cheruyiot, um Patrick Macau e por aí vai. (Pobre de mim: se eu tivesse pelo menos o tamanho da pernas e a velocidade destes caboclos).
Nos despedimos também rapidamente (nem perguntei o nome dos colegas - as amizades hoje também são fugazes), pois nossos voos partiriam em horários distintos (pelo menos ali saí na frente deles e embarquei primeiro), já com o pensamento em comprar um jornal assim que desembarcasse.
É mania minha toda vez que chego a algum lugar em que ponho os pés pela primeira vez ir direto à banca mais próxima adquirir um jornal da cidade - não apenas porque eu adoro bancas de jornais, mas porque, talvez, isto seja coisa de jornalista. Um jornalista corredor, um corredor jornalista.
Eu, cuja meta a partir do ano que vem, é disputar, pelo menos, duas maratonas por ano - uma a cada semestre - encabulado com o feito dos colegas mineiros já quase na terceira idade, e mesmo sem acreditar nas previsões dos astros (embora confesse que, quando mais novo, adorava ouvir a astróloga Zora Yonara, então em sua participação na Rádio Itatiaia), resolvi abrir os jornais e ver o que estaria reservado para mim. Procurei a página de horóscopo.
Se no avião "acertei" que os caras eram corredores, quem sabe, as previsões não me estariam favoráveis (todos também temos meio que a mania de querer adivinhar tudo, não é mesmo?). Quem sabe eu não dispararia na frente e ganharia dos caras, né?!
As notícias dos astros até que são auspiciosas. A previsão para meu signo (Escorpião) diz que estou sofrendo a interferência de Mercúrio e que muitas mudanças estão para acontecer no trabalho e na vida familiar.
Os astros, no entanto, não falam como será meu desempenho na maratona, mas asseguram que o tempo é favorável a passeios, viagens - olha aí aqui em Curitiba - mas que, no amor (eita amor... este bendito que a gente corre a vida inteira atrás) a coisa anda feia. Acredito que dever ser aquela máxima: "sorte no jogo (da corrida), azar no amor!". Mas, esta maré vai virar!
Previsão boa mesmo é a da temperatura aqui em Curitiba, bem ao contrário do que eu imaginava.
Minha suspeita era de que faria muito frio ou até mesmo de que a chuva apareceria pelas bandas de cá. Tratei de colocar calça e blusa dentro da mochila. Errei feio.
Desembarquei aqui com temperatura na casa dos 21 graus.
Como também sempre faço, no dia que antecede as corridas, tomado por um comichão, saí para caminhar pelas ruas e avenidas da linda Curitiba, tal como um flâneur (na concepção do escritor, poeta e teórico francês Charles Baudelaire, aquele que anda pela cidade com o objetivo de experimentá-la e vivenciá-la).
Isto também porque, como vocês já sabem ou pelo menos devem ter percebido, eu adoro chão. Curto muito as ruas e seus símbolos, seus sentidos, suas direções.
Acredito, enfim, naquilo que sempre afirmava, em suas crônicas, o grande João do Rio, que tão bem descrevia as ruas dos tempos antigos do Rio de Janeiro: "as ruas têm histórias; as ruas têm alma".
Então, voltando à temperatura, ao bater perna pela cidade, após pegar meu kit de inscrição para a corrida, a coisa esquentou: a temperatura chegou à casa dos 25 graus.
Entretanto, voltou a cair agora, no momento em que escrevo este texto (quase seis da tarde), alcançando 20 graus - o que, na verdade, não chega a ser frio, mas, sim, uma temperatura muito agradável para se correr.
Neste domingo, dia da maratona, diz a meteorologia, que o sol nascerá às 6h19, a temperatura mínima será de 13 graus e a máxima de 24 graus, com ventos a 11 quilômetros por hora e sol com muitas nuvens durante o dia, com períodos de céu nublado.
Mesmo que os termômetros oscilem, o que não devem mudar, segundo minhas "previsões" de corredor, são a temperatura elevada de alegria e bom astral dos corredores e, também, a possibilidade de colher e (re)escrever novas histórias a cada passo que eu der nas ruas e avenidas de Curitiba.
Que assim seja.
Até a próxima previsão, ou melhor, a próxima corrida.
Vamos correr!