segunda-feira, 23 de julho de 2012

A corrida pela vida


Mesmo sendo um corredor amador e, portanto, estar à léguas de distância de ser alguém que tenha conhecimentos mais específicos sobre corrida - o que deixo para os especialistas - alguns colegas sempre me perguntam onde encontrar motivação para começar a correr. 

Quando digo que acordo, às vezes, às cinco e meia da manhã para correr, a primeira frase que ouço é: "Você é louco!"


Talvez eu seja mesmo um louco, mas digamos que uma espécie de "louco saudável" (se que isso é possível).

Lamentavelmente, não tenho a fórmula mágica responder aos amigos. Se poderes tivesse, gostaria muito de acionar a varinha mágica e tocar a mente (e as pernas) de todos para estimulá-los a correr.


Ainda assim, o que consigo transmitir aos amigos e amigas é tão somente minha paixão e entusiasmo pela corrida e os inúmeros prazeres que ela tem me causado e que pode fazer o mesmo por eles.

Cada pessoa pode eleger um motivo para correr. Ou motivos, porque eles podem (e são) diversos.

Muitos dizem correr para elevar a autoestima, para melhorar o condicionamento físico, a disposição, diminuir o mau humor, emagrecer, prevenir doenças cardiovasculares.

Outros falam que correm para prevenir a osteoporose, diminuir o colesterol ruim e a hipertensão, aumentar o colesterol bom, combater o estresse do dia-a-dia e aliviar as tensões do trabalho e da própria vida, esta que, por si só, é tantas vezes muito corrida (perdão pelo trocadilho) e estressante.

Uma das respostas, talvez, seja misturar todos estes motivos num liquidificador e extrair  o motivo pelo qual considero que todos devemos correr: a vida. Você pode escolher correr pela sua própria vida ou pela vida dos outros; correr por uma causa.

Digo tudo isso porque foi correndo que presenciei uma cena simples, mas muito bonita, das muitas que tenho observado em minha trajetória de corredor amador.

Durante a Maratona Caixa da Cidade do Rio de Janeiro,  ao chegar no quilômetro 34 (acho que na praia de Copacabana, nem me lembro bem), cansado, moído, com as pernas querendo desistir e sentindo testados meus limites físicos e psicológicos, vi algo que me deu  estímulo para prosseguir.

Um senhor e uma senhora, ambos vestidos de branco -  um a poucos metros do outro, atrás da fita que separa o local reservado para a pista de corrida - seguravam cartazes, quase totalmente molhados pela chuva que caía, mas deixando intactas mensagens que diziam mais ou menos o seguinte: "Acredite, você não está sozinho!"; "Acredite, você vai conseguir!"  

Aquilo serviu como um anestésico para minhas dores e com um bálsamo a me fornecer uma forcinha a mais, um estímulo extra.

De imediato não identifiquei quem eram aquelas pessoas - pensei que se tratavam dos muitos populares que vão às ruas dar o incentivo aos corredores (e isso realmente faz grande diferença quando corremos).

Soube depois que eram membros da organização humanitária internacional Médicos sem Fronteiras, fundada em 1971 por médicos e jornalistas, que está presente em mais de 65 países.

São os abnegados e obstinados pela causas humanas, sejam estas quais forem,  que "correm" mundo afora para levar ajuda de emergência a vítimas de conflitos armados, epidemias, desastres naturais e a pessoas excluídas do acesso à saúde.

Estes correm tanto pela vida dos outros que até mesmo nos lugares em que o sistema de saúde é falho ou omisso, lá está o MSF a deixar um pouco do seu trabalho, sua dedicação e amor, oferecendo saúde básica e de prevenção em campos de refugiados ou em localidades das mais isoladas ou longínquas.

Organização independente de governos, o MSF é sustentado por contribuições particulares - em todo o mundo são aproximadamente 4 milhões de doadores; no Brasil, algo em torno de 60 mil.

Desatento que sou às vezes, vi que eles estavam no estande de retirada do kit de participação da maratona do Rio, mas negligenciei o fato de que os atletas que fizessem uma doação de R$ 39,00 ao MSF correriam com uma camiseta criada especialmente para a corrida.

Infelizmente, porque não prestei atenção, não ganhei a camiseta. 

Terminei a prova depois de correr por quatro horas e trinta e seis minutos.

Cruzei a linha de chegada muito emocionado e, como muitos que vi naquele momento, também chorando - recompensados que nos sentimos  por mais um desafio vencido - misturando suor com lágrimas, com a nítida impressão de que muito mais bonito, emocionante e nobre do que simplesmente correr por correr é poder correr além da nossa própria vida, isto é, pelo direito básico e sagrado da vida dos outros.

E não me refiro apenas à vida propriamente dita das pessoas, porque, qualquer atitude nossa para fazer o bem a quem gostamos - um gesto de carinho, de amizade, de ajuda,   uma palavra de incentivo na hora que você mais precisa - é, também, uma manifestação de quem se preocupa e luta para ver o outro bem; para ver mais viva a vida do outro. É o que faz o MSF.

É o que podemos todos fazer.

Não que eu não cometa meus erros, minhas injustiças com os outros, meus equívocos, - afinal, claro, somos todos humanos (alguns menos humanos que os outros, é certo) mas, quero continuar a acordar todos os dias e crer na possibilidade de que é possível viver (e correr) para fazer coisas belas e traçar um enredo mais bonito para minha vida e para os que me cercam (belo é viver, mesmo com as mortes nossas de cada dia). 

Todos podemos ser pessoas mais bonitas.

Se você ainda não encontrou seu motivo para correr, que tal começar a pensar nisso?

As vidas agradecem.

Um abraço a todos.

Vamos correr!


domingo, 22 de julho de 2012

"A mente faz grande parte do que você quer fazer"


Você já ouviu falar de Joan Benoit Samuelson? E de Gabrielle Andersen-Sheiss?




Tais nomes podem até soar de maneira estranha, mas, ainda assim, sendo ou não corredor ou corredora, desconfio que, alguma vez na vida, você já tenha ouvido falar de alguma delas (sim, são duas atletas), sobretudo da segunda, a tal Gabrielle.

Os deuses da corrida trataram de unir estas duas maravilhosas atletas num mesmo lugar, para competirem na mesma prova, cujo desfecho, embora muito diferente para ambas, foi uma das cenas mais marcantes, famosas, inesquecíveis e tocantes do esporte mundial e, ao mesmo tempo, a partir daí, um dos maiores exemplos de que quando se tem perseverança, determinação, esforço, garra e dedicação, tudo passa a ser possível.

A história registra que tudo aconteceu  numa manhã de forte calor e umidade, no dia 5 de agosto de 1984, em Los Angeles, nos Estados Unidos.



Eram 50 mulheres, de 28 países, reunidas para correr, pelas ruas e avenidas da cidade, a primeira maratona olímpica feminina oficial da história, os temidos 42 quilômetros, que desaguaram nas pistas do Los Angeles Memorial Coliseum, local que recebeu, na ocasião, um público de quase 80 mil pessoas (como eu gostaria de ter estado lá para presenciar aquela cena).

Abro um longo parêntesis.

Era a primeira corrida oficial feminina porque somente em 1981 o Comitê Olímpico Internacional decidiu que as mulheres poderiam, enfim, participar de uma maratona.

Até então, autoridades esportivas argumentavam que a distância era exaustiva e não saudável para uma mulher.

Um fato curioso em toda esta história é que, num ímpeto que hoje é tão comum às mulheres, em 1966, uma tal de Roberta Gibb resolveu correr uma maratona sem a devida autorização.  E decidiu fazer isso logo em Boston, que, na época, era a prova mais conhecida, e tornou-se a primeira mulher a completar  a corrida, com o tempo de 3h21min40s.

Roberta voltou às ruas um ano depois e teve a companhia de outra doida: Katherine Switzer, que se inscreveu com o nome de K.V. Switzer, que correu disfarçada de homem. 

Ao descobrirem o golpe, os organizadores tentaram retirá-la da prova, todavia, devidamente escoltada pelo namorado também corredor, Katherine concluiu o percurso em 4h20min.

Fecho o parêntesis.

Voltando à Olímpiada de Los Angeles, são muito poucos os que se recordam do nome da grande vencedora da prova: Joan Benoit - o nome que citei na primeira linha deste texto.


Uma vitória realmente marcante, já que esta corredora norte- americana foi a primeira mulher a conquistar uma medalha de ouro em maratonas olímpicas e também a primeira a correr os 42 km abaixo de 2h25min, um feito extraordinário, de fato. Bateu também o recorde mundial em duas ocasiões em maratonas, além de ter vencido duas vezes a maratona de Boston e outra em Chicago.


Costumeiramente, somos levados a louvar e enaltecer os campeões apenas, sejam quais forem as modalidades esportivas que pratiquem, mas a história mostra que, nem sempre, os louros recaem unicamente sobre os vencedores.

Vou recorrer ao futebol para dar um velho exemplo de como isso ocorre: todos se lembram da maravilhosa seleção canarinho, aquela comandada pelo grande mestre Telê Santana, que tinha jogadores excepcionais como Luizinho, Cereza, Júnior, Falcão, Sócrates, Zico, Éder e outras estrelas, que, embora dando show na Copa do Mundo de 82, na Espanha, caiu frente à seleção da Itália, do carrasco Paolo Rossi.


Aquela seleção não levou o título, mas, ainda hoje, é reconhecida, pelos amantes do futebol, como um dos times que mais encantaram gerações pelo futebol plasticamente bonito, jogado com arte, talento, criatividade.

Guardadas as devidas proporções e diferenças, foi mais ou menos isso que aconteceu também em 1984, em Los Angeles com a grande Gabrielle Andersen, aquela atleta que se tornou conhecida não por um título, (ela, aliás, não conquistou qualquer competição considerada importante) mas por ter sido protagonista de um dos momentos mais emocionantes do esporte.

Emissoras de televisão do mundo inteiro registraram o momento emblemático em que, aos 39 anos e em sua primeira participação em Jogos Olímpicos, Gabrielle, já dentro do estádio, entrou cambaleando, completamente desidratada pelo forte calor que fazia, contorcendo-se em dores e com cãibras na perna esquerda, o que deixou extremamente preocupados os médicos que a seguiam ao lado da pista no Memorial Coliseum e atônitos tanto os torcedores das arquibancadas quanto os telespectadores que acompanhavam as transmissões pela tevê.


Gabrielle se arrastou pelos últimos 200 metros da maratona, levando mais de 6 minutos para completá-la, quando, então, desmaiou nos braços dos médicos, após cruzar a linha de chegada, na 37ª posição dentre as 44 participantes.

Foi ovacionada pelo público.

Horas depois da prova, disse que insistiu em terminar o percurso porque talvez aquela fosse sua única chance de participar de uma olímpiada, sobretudo pela idade que tinha. "São os jogos olímpicos, é minha única chance. Eu vou terminar. Não importa como seja!", foi o que pensou.

A dor de Gabrielle não ofuscou a alegria da vitória de Benoit e nem foi um feito menor.

Entretanto, mais que a dor de Gabrielle fica a lição que ela mesmo deu quando disse:   "...muitos limites estão na sua mente. É  o que dizem. A mente faz grande parte do que você quer fazer!" 

Eu acrescento: se você quer mesmo, qualquer coisa que seja, você consegue!


Aí, você vai dizer: "Lá vem o Durães com 'autoajuda'". 

Quem sabe não é mesmo? Mas quem sabe não resolve, não é? 

Tenho certeza de que foi minha mente uma das principais responsáveis que me deu condições de participar de uma maratona recentemente, pois, quando soube que, no dia da prova no Rio de Janeiro, no dia 8 de julho, estava inscrito para correr os 42 quilômetros e não os 21 da meia maratona, foi exatamente ela (minha mente) quem começou a trabalhar para que eu tivesse condições de correr esta longa distância sem sequer  ter treinado uma distância maior que 30 km alguma vez na vida.


E, no decorrer da prova, disputada sob uma chuva persistente e com muito vento e frio, fui, a todo momento, testado em minhas condições físicas, psicológicas e em meus limites. 

Foi um embate comigo mesmo. O tempo todo. As pernas insistindo em chegar, o corpo cansado, o desgaste físico e emocional. 

Metade de mim dizia que eu devia parar, porque senão iria me estourar todo, mas a outra metade (certamente, a mais poderosa e teimosa), ao contrário, insistia para que eu seguisse seguir em frente, e que chegasse de qualquer forma, até mesmo arrastando, caso necessário.


Depois de provar da minha primeira maratona, o que minha mente diz é que devo me preparar para novos desafios.

Isso vale para a corrida, mas para a vida, também!

Um passo de cada vez. Sem parar. 

Enquanto eu tiver saúde e disposição, meu limite irá até onde eu puder ir e chegar.

A corrida é uma paixão!

Um abraço a todos.

Vamos correr!

No vídeo abaixo dá pra recordar a linda história de esforço e superação de Gabrielle Andersen e, de quebra, ver a repórter Isabella Scalabrini de tempos atrás. Show!