Mesmo sendo um corredor amador e, portanto, estar à léguas de distância de ser alguém que tenha conhecimentos mais específicos sobre corrida - o que deixo para os especialistas - alguns colegas sempre me perguntam onde encontrar motivação para começar a correr.
Quando digo que acordo, às vezes, às cinco e meia da manhã para correr, a primeira frase que ouço é: "Você é louco!"
Talvez eu seja mesmo um louco, mas digamos que uma espécie de "louco saudável" (se que isso é possível).
Lamentavelmente, não tenho a fórmula mágica responder aos amigos. Se poderes tivesse, gostaria muito de acionar a varinha mágica e tocar a mente (e as pernas) de todos para estimulá-los a correr.
Ainda assim, o que consigo transmitir aos amigos e amigas é tão somente minha paixão e entusiasmo pela corrida e os inúmeros prazeres que ela tem me causado e que pode fazer o mesmo por eles.
Cada pessoa pode eleger um motivo para correr. Ou motivos, porque eles podem (e são) diversos.
Muitos dizem correr para elevar a autoestima, para melhorar o condicionamento físico, a disposição, diminuir o mau humor, emagrecer, prevenir doenças cardiovasculares.
Outros falam que correm para prevenir a osteoporose, diminuir o colesterol ruim e a hipertensão, aumentar o colesterol bom, combater o estresse do dia-a-dia e aliviar as tensões do trabalho e da própria vida, esta que, por si só, é tantas vezes muito corrida (perdão pelo trocadilho) e estressante.
Uma das respostas, talvez, seja misturar todos estes motivos num liquidificador e extrair o motivo pelo qual considero que todos devemos correr: a vida. Você pode escolher correr pela sua própria vida ou pela vida dos outros; correr por uma causa.
Digo tudo isso porque foi correndo que presenciei uma cena simples, mas muito bonita, das muitas que tenho observado em minha trajetória de corredor amador.
Durante a Maratona Caixa da Cidade do Rio de Janeiro, ao chegar no quilômetro 34 (acho que na praia de Copacabana, nem me lembro bem), cansado, moído, com as pernas querendo desistir e sentindo testados meus limites físicos e psicológicos, vi algo que me deu estímulo para prosseguir.
Um senhor e uma senhora, ambos vestidos de branco - um a poucos metros do outro, atrás da fita que separa o local reservado para a pista de corrida - seguravam cartazes, quase totalmente molhados pela chuva que caía, mas deixando intactas mensagens que diziam mais ou menos o seguinte: "Acredite, você não está sozinho!"; "Acredite, você vai conseguir!"
Aquilo serviu como um anestésico para minhas dores e com um bálsamo a me fornecer uma forcinha a mais, um estímulo extra.
De imediato não identifiquei quem eram aquelas pessoas - pensei que se tratavam dos muitos populares que vão às ruas dar o incentivo aos corredores (e isso realmente faz grande diferença quando corremos).
Soube depois que eram membros da organização humanitária internacional Médicos sem Fronteiras, fundada em 1971 por médicos e jornalistas, que está presente em mais de 65 países.
São os abnegados e obstinados pela causas humanas, sejam estas quais forem, que "correm" mundo afora para levar ajuda de emergência a vítimas de conflitos armados, epidemias, desastres naturais e a pessoas excluídas do acesso à saúde.
Estes correm tanto pela vida dos outros que até mesmo nos lugares em que o sistema de saúde é falho ou omisso, lá está o MSF a deixar um pouco do seu trabalho, sua dedicação e amor, oferecendo saúde básica e de prevenção em campos de refugiados ou em localidades das mais isoladas ou longínquas.
Organização independente de governos, o MSF é sustentado por contribuições particulares - em todo o mundo são aproximadamente 4 milhões de doadores; no Brasil, algo em torno de 60 mil.
Desatento que sou às vezes, vi que eles estavam no estande de retirada do kit de participação da maratona do Rio, mas negligenciei o fato de que os atletas que fizessem uma doação de R$ 39,00 ao MSF correriam com uma camiseta criada especialmente para a corrida.
Infelizmente, porque não prestei atenção, não ganhei a camiseta.
Terminei a prova depois de correr por quatro horas e trinta e seis minutos.
Cruzei a linha de chegada muito emocionado e, como muitos que vi naquele momento, também chorando - recompensados que nos sentimos por mais um desafio vencido - misturando suor com lágrimas, com a nítida impressão de que muito mais bonito, emocionante e nobre do que simplesmente correr por correr é poder correr além da nossa própria vida, isto é, pelo direito básico e sagrado da vida dos outros.
E não me refiro apenas à vida propriamente dita das pessoas, porque, qualquer atitude nossa para fazer o bem a quem gostamos - um gesto de carinho, de amizade, de ajuda, uma palavra de incentivo na hora que você mais precisa - é, também, uma manifestação de quem se preocupa e luta para ver o outro bem; para ver mais viva a vida do outro. É o que faz o MSF.
É o que podemos todos fazer.
Não que eu não cometa meus erros, minhas injustiças com os outros, meus equívocos, - afinal, claro, somos todos humanos (alguns menos humanos que os outros, é certo) mas, quero continuar a acordar todos os dias e crer na possibilidade de que é possível viver (e correr) para fazer coisas belas e traçar um enredo mais bonito para minha vida e para os que me cercam (belo é viver, mesmo com as mortes nossas de cada dia).
Todos podemos ser pessoas mais bonitas.
Se você ainda não encontrou seu motivo para correr, que tal começar a pensar nisso?
As vidas agradecem.
Um abraço a todos.
Vamos correr!