quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Nunca se renda

Em 2013, desejo que você se supere. E que nunca se renda!

A corrida pode ser um caminho para isso. 

Comigo foi assim. Pode ser assim com você também! 

É preciso tentar. É necessário arriscar. A vida é correr riscos!

Que você corra para realizar todos os seus sonhos
- os mais transparentes ou os mais ocultos.

Que você corra em direção a um caminho que te leve talvez aonde você nunca tenha estado. Mas, se por lá esteve, volte. Alguma coisa de você ficou por lá. 


Siga seu caminho

Que você corra para ter a oportunidade de esbarrar 
em alguém por aí, nem que este alguém seja você.

Mas, se esse alguém for um outro alguém além de você, que este esbarrão se torne um encontro; o encontro uma comunhão; a comunhão uma nova amizade; a amizade um encantamento; o encantamento um novo gostar (um gostar diferente, um gostar atual); o novo gostar um desabrochar de uma paixão (a louca e desmesurada paixão), e que esta paixão possa te levar, quem sabe, a um amor. 

Mas não se esqueça:  o amor nem sempre é tranquilo.

O amor dá trabalho.

Amar é transpiração. 

Amar é trabalho de pedreiro. 

Amor é construção.

 “Tijolo com tijolo num desenho mágico”.

Ou que você corra para se encontrar com você mesmo
 - a corrida é a possibilidade do encontro. 

Que você possa mudar sua vida pela corrida ou pelo amor, nunca pela dor,
 embora a dor também seja necessária na vida. Não é na dor que a gente cresce?

A corrida é a possibilidade do (re)encontro
 com as antigas ou as novas amizades
Que você possa correr ou simplesmente caminhar pela vida.

Que você corra para se sentir encantado.

Extasiado.

Cansado.

Enfrente e vença o próprio cansaço 

Reconfortado.

Renovado.

Revigorado.

Recompensado.

Vitorioso.

Que você corra para se sentir e se saber capaz. Você pode!

Que você corra para rabiscar no chão sua própria história. 

E ler a história dos outros.

Porque seu corpo é um texto. A corrida é um texto em movimento.

Que você corra pela adrenalina, lançada na sua corrente sanguínea,
 e sinta aumentar a frequência dos batimentos do seu coração. 
Ahh, o coração!

Que você corra para sentir o sangue que também corre nas suas veias.

Que você corra pela endorfina, o hormônio do prazer.

Que você corra pela superação.

Que você corra para prolongar um pouco mais a vida. 

Corra simplesmente
para tentar se superar

A vida que é tão corrida. 

O correr da vida e a vida corrida podem ensinar muito
 sobre a minha vida, a sua vida, a vida de todos nós.

Que você corra para expressar (e expulsar) todos os seus sentimentos. 

Na corrida, você vive os sentimentos mais paradoxais, 
os mais contraditórios, como a dor e o deleite.

Que você corra pela vontade de tornar possível
 e simples o que parece impossível e difícil.

               Que você corra para fazer da impossibilidade uma possibilidade. 
           A grande possibilidade.

Corra e torne possível o que um dia você
pensou que poderia ser impossível

Que você corra para transformar o trivial em algo espetacular.

Que você corra tendo foco e determinação.

Que você corra para ser firme e que tenha uma vontade inabalável.

Que você seja insistente, persistente.

Que você seja incansável. 

Que você entenda seu corpo, que saiba ler 
o texto que salta dele e, mais que isso, saiba  compreendê-lo.

Que você corra para aprender a administrar suas emoções, as muitas emoções. 

Que você corra para tentar controlar seus impulsos mais animalescos e violentos.

Que você corra para minar sua agressividade.

Que você corra para tentar ser mais doce.

Que você corra para desamarrar os cadarços
 que prendem seu coração e sufocam seu espírito.

Que você corra para substituir a camisa suada pela transpiração de uma nova camisa.

Que você corra para ver escorrem os suores da sua vida cansada e corrida.

Que você corra para se sentir saudável, em paz consigo mesmo,
 para queimar suas calorias, para melhorar seu humor.

Que você corra mesmo se sentir medo.

Que você corra mesmo se achar que não vai dar conta. 

Corra, porque, bem lá no fundo, você deve saber que vai dar conta.

Você pode até sentir medo, mas não
desista até chegar ao final

Que você corra e não desista no primeiro tropeço, 
na primeira queda, nas primeiras dores.

Que você corra e não deixe de insistir.

Que você corra e não deixe de persistir. 

O grande momento - o momento que chegará - é fruto da sua persistência!

Que você corra por qualquer motivo ou por motivo nenhum. 

Que você corra, simplesmente!

Que você corra para ver nascer um novo alguém.

Esse novo alguém será um outro você.

Nunca se renda!




domingo, 9 de dezembro de 2012

Volta Internacional da Pampulha: correr é saber esperar


Pela segunda vez, corri a Volta Internacional da Pampulha. E a segunda vez, ninguém esquece, principalmente quando ela é ainda melhor que há havia sido na primeira vez.

A corrida começou numa descida

E olha que eu não tinha intenção de participar da corrida neste domingo (9). 

Havia decidido não correr por algumas razões.

A primeira delas é que, este ano, como dizem os jovens de hoje, “peguei meio pesado”:  participei de duas maratonas (42.195 km) num intervalo quase quatro meses - em julho no Rio de Janeiro e, em novembro, em Curitiba. Os relatos destas duas corridas (com os desencontros, os acasos, os vacilos, etecetera) contei aqui no blog também.

Então, pensei que deveria reduzir a marcha, relaxar e deixar para correr qualquer prova oficial que fosse apenas a partir do ano que vem. Eu iria reservar o resto do ano apenas para treinar na valsa.

A outra razão pela qual eu não queria correr – acho que é até a principal delas – é que, como faço a maioria dos meus treinos na Pampulha, conheço um pouquinho cada pedaço daquele chão dali: sei quando é possível acelerar, quando é necessário reduzir o ritmo, em que pedaços dá pra sair do asfalto e correr na grama ou para pegar uma sombra. 
(É por isso que, volta e meia, nós, os corredores, gostamos de experimentar outros lugares – no jargão específico: “buscar novos estímulos” – e correr no meio da grama, na terra, enfim, em espaços distintos).

Corredor é um ser da locomoção

O corredor também é um ser da liberdade, da locomoção, do deslocar-se, do mover-se.

Entretanto, entusiasmado e apaixonado que sou pela corrida, não consegui me conter. O que não era para ser acabou sendo.

Hora de esperar pela largada
Quase no apagar das luzes, efetivei minha inscrição. 

Garanti, assim, meu passaporte para passar mais uma manhã de muita adrenalina, alegria e ansiedade no meio dos colegas que também têm paixão pela coisa, como foi neste domingo.

No dia das provas, clima entre
os corredores é contagiante
Não correr a Volta Internacional da Pampulha significaria, ainda, negligenciar um dito famoso do futebol que, mais uma vez, acabei de constatar ser válido também para a corrida: “treino é treino, jogo é jogo”.

Treino é diferente da prova de corrida oficial: o ritmo é outro, o clima é diferente, a adrenalina é maior, a ansiedade nos domina; os outros corredores nos contaminam com seu ânimo e disposição.

E ainda bem que fiz minha inscrição e corri, caso contrário, estaria a lamentar, e muito, até agora.

Ora bolas: se eu viajo para fora de Minas para correr em outras paragens, como não correr no lugar que eu vou quase todo dia?

Como deixar de correr num lugar que eu aprecio tanto, que acho tão lindo, com um cenário tão inspirador - embora, venha sendo nos últimos anos, muito mais desolador, por culpa tanto dos que arremessam garrafas, lixo e até sofás na lagoa (e depois reclamam das inundações), quanto dos governantes que deveriam zelar por um patrimônio tão rico. Mas isso é outra prosa.

Mesmo um pouco maltratada, Pampulha ainda
conserva um cenário inspirador

Se eu ficasse de fora desta XIV Volta Internacional da Pampulha não teria vivido toda a ansiedade que, para mim, é típica da ocasião: perder o sono três horas antes da corrida, levantar, afixar o número de peito na camisa (mais uma vez, porque eu já havia feito isso antes), colocar as meias dentro do tênis e pregar o chip de cronometragem nele, escolher o short, deixar tudo separadinho e ficar zanzando pelo quarto esperando a hora de sair de casa e ganhar o asfalto. Toda esta sensação é deliciosa. Quem é corredor sabe muito bem disso.

Embora eu tenha dito acima que conheço um pouco a Pampulha, a cada vez que corro ali, em treino, mas principalmente nas provas oficiais, é sempre uma surpresa, como de resto é a vida de todos nós: cotidiana, mas com pitadas surpreendentes de quando em vez.

Cada corrida é um novo caminho ainda que estejamos correndo pelo mesmo caminho. 

Igrejinha da Pampulha: marca
de um arquiteto genial
A corrida é
 passo a passo
Mal comparando acho que é, mais ou menos, como aquela expressão filosófica de autor desconhecido: “ninguém se banha duas vezes no mesmo rio”.   

Não se corre qualquer vez como se correu da primeira vez. É a lei da vida: a mudança constante, minuto a minuto, segundo a segundo, passada a passada.

Tudo isso passou pela minha cabeça quando eu corria hoje, mas me veio à mente, particularmente, minha vontade de dar a volta na lagoa pela primeira vez na edição de número 11, que, no entanto, acabou abortada por uma leve inflamação na canela -  a bendita canelite, que pega no pulo tantos atletas –, mas muito mais por problemas de ordem pessoal, que me tiravam a concentração e o ânimo.

Em 2009, eu treinava, no máximo, 8 quilômetros, e desejava correr a Volta, mas, nada deu certo. 

Como se fosse hoje, recordei-me que, naquele ano, fui assim mesmo para a lagoa, prestigiar os corredores e confesso que chorei quando vi tantos correndo com vigor e disposição num contraste com minha decepção e tristeza. Águas passadas.

Cerca de 14 mil apaixonados tomaram conta 
da Pampulha na corrida deste domingo

Mas, naquele momento ali eu, mais uma vez, vi como foi importante o tal da “hora certa”. Como é imprescindível que saibamos esperar, sobretudo, porque, hoje em dia, a mentalidade de muitas pessoas – inclusive a nossa, várias vezes – é apostar no imediatismo. 

Tem hora que a gente anda achando que a vida é um miojo, um couple noodles: é só botar no microondas e, daí a três minutos, esquentar o estômago. 

Cada corredor vive
um personagem
Distraídos, esquecemos de que não somos, definitivamente, donos do tempo, este senhor que não tem idade e que é absoluto em sua razão. 

Esperar pela hora certa nos ensina muito: somos meio que obrigados a ter paciência, tolerância, e, ao mesmo tempo, aprendemos como também é importante ter persistência, insistência e, acima de tudo, manter a fé e a esperança, porque, uma hora qualquer, a coisa se ajeita. 

Espera pela largada é angustiante
É difícil demais saber esperar, terrivelmente difícil - qualquer espera é angustiante - mas quem nos pode garantir que na hora em que o trem entrar nos trilhos, nossa viagem não possa ser marcante? 

Para mim, não deu em 2009, muito menos em 2010.

Belezas da Pampulha
Entretanto, em 2011, tive a graça de  participar, pela primeira vez, da XIII edição da Volta Internacional da Pampulha –  uma pena - ou, talvez sorte de vocês que me acompanham - que, no ano passado, eu não tinha um espaço como este blog para contar minha experiência, que, acredito, não seria tão rica como a de agora, quando já posso me julgar um corredor um pouquinho esperto, mais maduro, experiente, mas ainda em processo de aprendizagem. 

Eu aprendo a correr todo dia!

Neste domingo, corri bem a Pampulha.

Não baixou em mim a arrogância e a empáfia do corredor que acha que pode desafiar os limites do corpo, como o que fiz em Curitiba, quando achei que eu era uma espécie Ovelha Dolly das pistas, um clone de um grande corredor do asfalto.

Saboreei cada passo e cada detalhe da corrida, esta dádiva na minha vida, que, dia após dia, me ensina um pouco mais e me dá uma lição diferente a cada vez.

Novidade neste ano, subida na chegada
da prova exigiu muito dos atletas
Aliás, diga-se de passagem, confesso que gostei muito do novo percurso – com descida na largada e subida na chegada. Ficou diferente e mais desafiador do que o circuito apenas em terreno plano. 

Cada corrida é um novo universo de sentidos e significados para mim, noves fora meu costumeiro exagero. Mas é assim que me sinto mesmo. Hoje voltei a ter este sentimento.


A corrida te leva ao
autoconhecimento

Reencontrei corredores paulistas
Revi amigos de
Barão de Cocais (MG)
Eu não poderia mesmo ter perdido a novidade do percurso, tampouco a grata oportunidade de correr no “quintal da minha casa”, rever amigos que fiz em outras corridas e derramar um pouquinho mais no chão todos os meus sentimentos de alegria, tristezas, decepções, vitórias, conquistas, tão próprios de todo ser humano.

Hoje, conheci um pouco mais sobre mim mesmo e soube, também, que, embora seja doído, saber esperar é preciso.

Em cada medalha há uma história pra se contar

Um abraço a todos.

Vamos correr.

PS: Meu post musical de hoje é para a inominável Cássia Eller, de quem continuo sendo fã número zero. Amanhã ela faria 50 anos. A canção é uma beleza do não menos incrível e eterno beatle Paul McCartney


sábado, 8 de dezembro de 2012

Somos todos corredores


O padeiro que faz o pão
o devoto e sua oração
o poeta e sua poética criação
o namorado e suas táticas de sedução
os amantes e suas estratégias de traição

Versos no chip de cronometragem

o criador e suas criaturas
o caricaturista e suas caricaturas
o operário no trabalho, que de prazer, passou a agrura
o amargurado e suas amarguras
o guarda imperial e suas armaduras
o funcionário e os baixos salários
o economista querendo decifrar o ciclo inflacionário
a grávida e o bebê embrionário
o homem das palavras e seu dicionário
o pesquisador e seu questionário
a bruxa e seu caldeirão de bruxarias
os cantores e suas cantorias
O Luiz com suas melodias
o homem que busca a si mesmo através da logosofia
o filósofo e suas filosofias
o padre e suas homilias

Somos todos corredores: cada um com seus
desafios pela vida afora

o engenheiro e seus arranha-céus
a abelha na colmeia para fazer o mel
a moça que esconde a beleza atrás do véu
o povo na festa fazendo escarcéu
o denunciado que vai responder como réu
a dançarina e sua dança sensual
a lavadeira que lava roupa no quintal
o craque de futebol e sua jogada genial
a atriz e sua interpretação magistral
o maestro e sua orquestra imperial
o empresário a administrar sua riqueza
o fraco lutando pra vencer sua fraqueza
o franco e sua franqueza
a miss que depende de sua beleza
os pobres na sua triste pobreza

Seu caminho pela vida pode ser belo

o advogado que só sabe falar  de processos
as relações de trabalho e seus retrocessos
o espectador e a luta pra conseguir o ingresso
os parlamentares que não honram o Congresso
o gráfico e seu trabalho impresso
os juízes e suas sentenças
os doentes brigando contra suas doenças
os indiferentes com suas indiferenças
os diferentes com suas diferenças
o descrente e suas descrenças
a prostituta que vende o corpo por mero prazer
Shakespeare que morreu e não resolveu a eterna dúvida entre ser ou não ser
o lixeiro e o lixo pra recolher
o vendedor e coisas pra vender
o floricultor e as flores pra colher

Na vida, assim como na corrida,
é você quem escolhe seu caminho

o devedor e as contas a pagar
a costureira e as roupas para remendar
o farmacêutico e os remédios pras dores remediar
o orador e suas palavras brilhantes para falar
o coveiro e os corpos pra enterrar
o sambista e seu samba enredo
o macumbeiro e as macumbas no terreiro
Kate Middleton à espera do futuro herdeiro
o relojoeiro que acerta os ponteiros
os espiritualistas que vivem nos mosteiros
as crianças, suas purezas, suas brincadeiras
o bêbado e suas bebedeiras
o artesão que fabrica suas pulseiras
o marceneiro que molda a cadeira
o executivo preocupado com a carreira
o jornalista e a sede do furo
os meninos que roubam frutas e pulam o muro
a criança que tem medo do escuro
o imaturo querendo ser maduro
todos nós de olho no futuro
o corredor e suas corridas
nas subidas e descidas
nas ruas e avenidas
nas chegadas e partidas
nos encontros e despedidas
somos todos corredores
nesta louca corrida
que é a maratona da vida!

A vida é uma maratona com linha de chegada e partida



quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Uma maratona para Débora



"Não se luta contra o destino; o melhor é deixar que nos pegue pelos cabelos 
e nos arraste até onde queira alçar-nos ou despenhar-nos."
(Machado de Assis, em Esaú e Jacó)



Ela jamais havia colocado um par de tênis para correr. Aliás, nem tênis de corrida tinha.


Débora em uma de suas
 primeiras corridas 
Correr era algo que ela, também, nunca se arriscara a fazer. 

No máximo, talvez imaginasse que correr poderia ser, apenas, um verbo que aparecia nos dicionários e nas gramáticas ou aquilo que todos fazemos todos os dias pela vida afora: acordamos sobressaltados, engolimos o café da manhã e saímos correndo para o trabalho para garantir o sustento de mais um dia de vida, afinal, a vida é mesmo muito corrida.

Entretanto, o acaso acabou por transformar-se num destino irrefutável na vida da corredora paulista Débora Pires, a quem tive o grato prazer de conhecer pessoalmente em Curitiba, quando lá estive no dia 18 de novembro, para correr a maratona da cidade.

Débora começou a correr e
 não parou mais
Foi, também, uma oportunidade bacana para ouvir um pouco de sua história de muito esforço, dedicação, persistência e amor à corrida e saber como este esporte transformou uma vida até então meramente cotidiana - aquela que nos leva de casa para o trabalho e do trabalho para casa, com atalhos que passam por um supermercado ou por uma padaria -  numa vida  repleta de aventuras, muitas viagens, novas amizades, novos desejos e metas.

A corrida entrou na vida da advogada Débora há quatro anos. E foi sem querer mesmo. Uma amiga dela, que já era corredora de carteirinha, maratonista até, iria participar de uma corrida em São Paulo e queria que o marido, outro corredor, também estivesse presente.

O pedido da amiga para Débora era muito simples e não demandava qualquer esforço. 

Não seria necessário acordar cedo, colocar short, camiseta, tênis e nem o chip de cronometragem, tampouco afixar o número de inscrição no peito.

Com a corrida, Débora também
 mudou os hábitos alimentares
Era apenas "emprestar" o nome para o marido da amiga correr a prova. Como amigo(a) não falha com amigo (a), assim foi feito.

O que Débora não podia imaginar é que o marido da amiga, por motivo desconhecido, passaria  a inscrição para um outro amigo e que este fosse terminar a prova com um dos destaques. Era julho de 2008.

No dia seguinte, a paulistana Débora viveu seus quinze minutos de fama. Muitos queriam saber como alguém que nunca havia corrido sequer até a padaria da esquina havia conseguido vencer uma prova - afinal, o nome dela saiu publicado na lista oficial dos resultados da corrida.

Diz o ditado que "quem faz a fama, deita na cama". Débora, portanto, nem confirmou nem desmentiu, mas ouviu a amiga que lhe fez o pedido dizer algo mais ou menos assim: 

Débora: "Começar a correr representou
uma superação total na minha vida"
- Agora que você já ficou "famosa" porque não aproveita e começa a correr de vez? Tenho certeza de que você vai adorar.

"Ela encheu minha cabeça com todo aquele discurso de corredor apaixonado. Eu, na época, com uns 10 quilos a mais, pernas meio tortas, respiração horrível. Puxa, aquilo representaria uma superação total para mim. Porque não tentar", pensou Débora, na ocasião.

Parecia mesmo que o destino estava calçado com tênis e disposto a mudar a vida de Débora através da corrida. 

A partir daí, ela  "juntou a fome com a vontade de comer": é que a instituição bancária em que trabalha em São Paulo patrocina corridas, como uma forma de promover a saúde e também maior integração entre os empregados,  e se ali já estava uma "corredora famosa", não custava ir em frente, não é mesmo?
Novas amizades surgiram desde
que Débora começou a correr 

"Então, eu, que sempre gostei de desafios, comecei a treinar, me inscrevi para participar de uma prova e fiz minha primeira corrida de 10 quilômetros em 1 hora e 24 minutos. Dai pra frente não parei mais", lembrou, emocionada, ao me contar toda a história.

Antes de começar a correr, ainda em 2008, Débora já frequentava academia, mas, quando começou a levar a corrida mais a sério, começou a fazer regime. Em 2012, tomou outra atitude decisiva: procurou uma nutricionista e fez uma reeducação alimentar. Foi quando, segundo ela, passou a se alimentar melhor e corretamente. "Passei a comer bem, sem engordar, e a ter mais energia", recorda.

Um ano depois, em 2011, e várias provas disputadas, Débora tomou outra atitude: se matriculou numa assessoria esportiva, a Life Training.

No mesmo ano, já se valendo das orientações da assessoria e beneficiada pelo apoio dado ao esporte pela instituição em que trabalha, teve a oportunidade de, pela primeira vez, correr fora do país. 

Selecionada pelo banco, junto a outros colegas, Débora foi para o Reino Unido. Lá, em Londres, participou de uma prova patrocinada pelo banco -   a competição dura três dias, período em que os participantes percorrem entre 180 a 200 quilômetros em sistema de revezamento.

Débora já participou de duas meias
maratonas em Buenos Aires
Débora também esteve em Buenos Aires, na Argentina, onde participou de duas meias-maratonas - uma em 2011 e outra em 2012.

No Brasil, correu 28 quilômetros de um desafio total de 140 quilômetros na prova "Volta à Ilha", em Florianópolis, também no ano passado - Débora calcula que até hoje já tenha participado de cerca de 95 provas, incluindo corridas de rua e corridas em montanhas, outra modalidade de que gosta muito.


Com o passar do tempo, Débora descobriu na
corrida em montanhas outro grande prazer

A meta dos 42.195 km

Desde que começou a correr e sempre motivada por mais desafios, Débora passou a acalentar um desejo: participar de uma maratona e correr os temidos 42.195 quilômetros.

Esta louca vontade começou a brotar exatamente no momento em que corria a prova em Londres, em 2011.

"Num dos dias em que participei daquela prova extensa, que tem um percurso total de 200 km, com revezamento entre os atletas, eu passei na beira de um canal em um local em que não me recordo o nome. Naquele momento, muitas coisas passaram pela minha cabeça. Era um lugar lindo como um cenário de filme. Eu estava sozinha, apenas com meus pensamentos. Naquelas duas horas em que demorei para concluir os 21 quilômetros, passou um filme de toda a minha vida pela cabeça. Muitos projetos eu desenhei naquele percurso e um deles foi correr minha primeira maratona",  lembrou Débora, num relato emocionado. 

Quando voltou para o hotel onde estava hospedada, Débora enviou uma mensagem para o treinador de sua assessoria esportiva. "Eu disse assim: Leandro, vou correr uma maratona em 2012. Por favor, prepare meu treino e escolha uma para que eu possa correr. Mas não se esqueça de que eu tenho problemas com a temperatura (não pode estar muito calor), por isso, preciso que seja uma prova que aconteça no inverno", relembrou.

Para pular de uma modalidade (meia maratona, com percurso de 21 km,  para outra - a maratona, com 42.195 km, em que se exige bastante do preparo físico e mental do atleta),  Débora fez um planejamento de quase um ano, e uns quatro meses antes da prova propriamente dita, intensificou os treinamentos, fechou a boca  e acrescentou os chamados "longões" nos finais de semana.

Uma "corredora famosa", não correria em qualquer lugar, não é mesmo?

Como todo o apoio do treinador, Débora foi escolher correr justamente uma das provas mais importantes do mundo: a Maratona de Nova York, realizada tradicionalmente no primeiro domingo de novembro. 

Imagine bem começar a correr na Staten Island, atravessar "Verrazaono Bridge", chegar ao Brooklyn, subir até Queens, passar por "Queensboro Bridge", chegar a Manhattan, ir até o Bronx, voltar a Manhattan pela "Madison Avenue Bridge e, finalmente, cruzar a linha de chegada em pleno "Central Park"?

Mas, correr em New York não é nada fácil: é mais ou menos como passar um elefante por uma agulha. 
Débora deu uma de tiete e garantiu uma foto
com o maratonista Marilson Gomes dos Santos,
antes do embarque para Nova York 

Débora conseguiu efetivar a inscrição somente após fazer uma doação a uma entidade que cuida de crianças obesas em Nova York - todos os recursos foram arrecadados junto aos colegas que com ela trabalham no banco. A camiseta da prova levou a assinatura de todos os colegas. 

E não é que no início de novembro deste ano, lá se foi Débora para Nova York? Até com o Marilson Gomes dos Santos, nosso grande atleta, ela se encontrou no aeroporto antes do embarque. Lógico: deu uma de tiete e garantiu a foto.

Lá, viveu toda a emoção que antecede o clima das provas, pegou frio de 1 grau negativo, e até treinou no Central Park, mas não conseguiu correr porque contava que haveria um furacão (Sandy) no meio do caminho.

Lamentavelmente, a organização cancelou a prova diante dos inúmeros problemas causados pela catástrofe em várias cidades dos Estados Unidos, inclusive na própria Nova York
Em Curitiba, Débora usou camiseta com assinaturas de
todos os amigos que contribuíram para que ela arrecadasse recursos
para correr a Maratona de Nova York, mas evento acabou cancelado

Desapontada por não ter conseguido correr naquele lugar tão belo e místico para os corredores, Débora não desistiu do enorme desejo de correr sua primeira maratona.

Lá de fora mesmo soube da maratona de Curitiba, fez a inscrição e, quase duas semanas depois de desembarcar no Brasil, se mandou para lá, onde, enfim, faria sua estreia nos 42.195 km.

Mal disfarçando a ansiedade que toma conta de todos os corredores nos momentos que que se aproximam de qualquer corrida, Débora estava prestes a materializar nas ruas da capital paranaense toda a vontade de percorrer aquela distância, na certeza de que, ali, desaguaria todo seu empenho, persistência, força e suor e tudo aquilo que passou a partir do momento em que deu oportunidade para que a corrida entrasse na sua vida.

Pude acompanhar toda esta emoção estando ao lado de Débora e de outros amigos que também tiver o prazer de conhecer em Curitiba, como Cláudio Okano, Denilson Morales e Deniela Tardeli, todos de São Paulo. Corri parte do percurso com eles. Foi sensacional aquela experiência. 

Para mim, era mais uma corrida, mais uma história para contar, mais amigos para incluir na minha vida.

Com o amigo e grande incentivador Claudio Okano,
a paulistana correu sua primeira maratona em Curitiba
Débora correu o tempo todo ao lado do fiel escudeiro Cláudio Okano, a quem carinhosamente chama de "Mestre Okano". 

Para domar a ansiedade própria de todo corredor - que fica olhando e conferindo no relógio o tempo de prova - Okano sugeriu que ela corresse sem o equipamento.

A paulistana correu e correu muito bem e certamente sentiu, em Curitiba,  todas as dores e alegrias de quem se arrisca a correr uma maratona. 



No final das contas, o saldo foi bem positivo: levou 4 horas e 15 minutos para completar os 42.195 km e a sensação de que o desejo fora, então, definitivamente, saciado.

"Chorei muito e imediatamente liguei para meu treinador para agradecer tudo o que passei, todo o treinamento, todas as horas de dedicação", disse-me Débora, após a prova, numa mistura de satisfação, alegria e porque não dizer até mesmo um certo alívio.
Enfim, ela cumprira seu desejo maior.

Nunca li nada do filósofo espanhol Ortega y Gasset, mas lembrei-me de uma frase dele de tempos atrás, que ilustra bem a história de Débora: "o destino de cada homem é seu maior prazer".

Do acaso ou destino, Débora viveu, em Curitiba, seu maior prazer. E que prazer delicioso!

Abraço a todos e boas corridas.


Vamos correr!