Pela segunda vez, corri a Volta Internacional da Pampulha. E a segunda vez, ninguém esquece, principalmente quando ela é ainda melhor que há havia sido na primeira vez.
A corrida começou numa descida |
E olha que eu não tinha intenção de participar da corrida neste domingo (9).
Havia decidido não correr por algumas razões.
A primeira delas é que, este ano, como dizem os jovens de hoje, “peguei meio pesado”: participei de duas maratonas (42.195 km) num intervalo quase quatro meses - em julho no Rio de Janeiro e, em novembro, em Curitiba. Os relatos destas duas corridas (com os desencontros, os acasos, os vacilos, etecetera) contei aqui no blog também.
Então, pensei que deveria reduzir a marcha, relaxar e deixar para correr qualquer prova oficial que fosse apenas a partir do ano que vem. Eu iria reservar o resto do ano apenas para treinar na valsa.
A outra razão pela qual eu não queria correr – acho que é até a principal delas – é que, como faço a maioria dos meus treinos na Pampulha, conheço um pouquinho cada pedaço daquele chão dali: sei quando é possível acelerar, quando é necessário reduzir o ritmo, em que pedaços dá pra sair do asfalto e correr na grama ou para pegar uma sombra.
(É por isso que, volta e meia, nós, os corredores, gostamos de experimentar outros lugares – no jargão específico: “buscar novos estímulos” – e correr no meio da grama, na terra, enfim, em espaços distintos).
Corredor é um ser da locomoção |
O corredor também é um ser da liberdade, da locomoção, do deslocar-se, do mover-se.
Entretanto, entusiasmado e apaixonado que sou pela corrida, não consegui me conter. O que não era para ser acabou sendo.
Hora de esperar pela largada |
Quase no apagar das luzes, efetivei minha inscrição.
Garanti, assim, meu passaporte para passar mais uma manhã de muita adrenalina, alegria e ansiedade no meio dos colegas que também têm paixão pela coisa, como foi neste domingo.
No dia das provas, clima entre os corredores é contagiante |
Não correr a Volta Internacional da Pampulha significaria, ainda, negligenciar um dito famoso do futebol que, mais uma vez, acabei de constatar ser válido também para a corrida: “treino é treino, jogo é jogo”.
Treino é diferente da prova de corrida oficial: o ritmo é outro, o clima é diferente, a adrenalina é maior, a ansiedade nos domina; os outros corredores nos contaminam com seu ânimo e disposição.
E ainda bem que fiz minha inscrição e corri, caso contrário, estaria a lamentar, e muito, até agora.
Ora bolas: se eu viajo para fora de Minas para correr em outras paragens, como não correr no lugar que eu vou quase todo dia?
Como deixar de correr num lugar que eu aprecio tanto, que acho tão lindo, com um cenário tão inspirador - embora, venha sendo nos últimos anos, muito mais desolador, por culpa tanto dos que arremessam garrafas, lixo e até sofás na lagoa (e depois reclamam das inundações), quanto dos governantes que deveriam zelar por um patrimônio tão rico. Mas isso é outra prosa.
Mesmo um pouco maltratada, Pampulha ainda conserva um cenário inspirador |
Se eu ficasse de fora desta XIV Volta Internacional da Pampulha não teria vivido toda a ansiedade que, para mim, é típica da ocasião: perder o sono três horas antes da corrida, levantar, afixar o número de peito na camisa (mais uma vez, porque eu já havia feito isso antes), colocar as meias dentro do tênis e pregar o chip de cronometragem nele, escolher o short, deixar tudo separadinho e ficar zanzando pelo quarto esperando a hora de sair de casa e ganhar o asfalto. Toda esta sensação é deliciosa. Quem é corredor sabe muito bem disso.
Embora eu tenha dito acima que conheço um pouco a Pampulha, a cada vez que corro ali, em treino, mas principalmente nas provas oficiais, é sempre uma surpresa, como de resto é a vida de todos nós: cotidiana, mas com pitadas surpreendentes de quando em vez.
Cada corrida é um novo caminho ainda que estejamos correndo pelo mesmo caminho.
Igrejinha da Pampulha: marca de um arquiteto genial |
A corrida é passo a passo |
Mal comparando acho que é, mais ou menos, como aquela expressão filosófica de autor desconhecido: “ninguém se banha duas vezes no mesmo rio”.
Não se corre qualquer vez como se correu da primeira vez. É a lei da vida: a mudança constante, minuto a minuto, segundo a segundo, passada a passada.
Tudo isso passou pela minha cabeça quando eu corria hoje, mas me veio à mente, particularmente, minha vontade de dar a volta na lagoa pela primeira vez na edição de número 11, que, no entanto, acabou abortada por uma leve inflamação na canela - a bendita canelite, que pega no pulo tantos atletas –, mas muito mais por problemas de ordem pessoal, que me tiravam a concentração e o ânimo.
Em 2009, eu treinava, no máximo, 8 quilômetros, e desejava correr a Volta, mas, nada deu certo.
Como se fosse hoje, recordei-me que, naquele ano, fui assim mesmo para a lagoa, prestigiar os corredores e confesso que chorei quando vi tantos correndo com vigor e disposição num contraste com minha decepção e tristeza. Águas passadas.
Cerca de 14 mil apaixonados tomaram conta da Pampulha na corrida deste domingo |
Mas, naquele momento ali eu, mais uma vez, vi como foi importante o tal da “hora certa”. Como é imprescindível que saibamos esperar, sobretudo, porque, hoje em dia, a mentalidade de muitas pessoas – inclusive a nossa, várias vezes – é apostar no imediatismo.
Tem hora que a gente anda achando que a vida é um miojo, um couple noodles: é só botar no microondas e, daí a três minutos, esquentar o estômago.
Cada corredor vive um personagem |
Distraídos, esquecemos de que não somos, definitivamente, donos do tempo, este senhor que não tem idade e que é absoluto em sua razão.
Esperar pela hora certa nos ensina muito: somos meio que obrigados a ter paciência, tolerância, e, ao mesmo tempo, aprendemos como também é importante ter persistência, insistência e, acima de tudo, manter a fé e a esperança, porque, uma hora qualquer, a coisa se ajeita.
Espera pela largada é angustiante |
É difícil demais saber esperar, terrivelmente difícil - qualquer espera é angustiante - mas quem nos pode garantir que na hora em que o trem entrar nos trilhos, nossa viagem não possa ser marcante?
Para mim, não deu em 2009, muito menos em 2010.
Belezas da Pampulha |
Entretanto, em 2011, tive a graça de participar, pela primeira vez, da XIII edição da Volta Internacional da Pampulha – uma pena - ou, talvez sorte de vocês que me acompanham - que, no ano passado, eu não tinha um espaço como este blog para contar minha experiência, que, acredito, não seria tão rica como a de agora, quando já posso me julgar um corredor um pouquinho esperto, mais maduro, experiente, mas ainda em processo de aprendizagem.
Eu aprendo a correr todo dia!
Neste domingo, corri bem a Pampulha.
Não baixou em mim a arrogância e a empáfia do corredor que acha que pode desafiar os limites do corpo, como o que fiz em Curitiba, quando achei que eu era uma espécie Ovelha Dolly das pistas, um clone de um grande corredor do asfalto.
Saboreei cada passo e cada detalhe da corrida, esta dádiva na minha vida, que, dia após dia, me ensina um pouco mais e me dá uma lição diferente a cada vez.
Novidade neste ano, subida na chegada da prova exigiu muito dos atletas |
Aliás, diga-se de passagem, confesso que gostei muito do novo percurso – com descida na largada e subida na chegada. Ficou diferente e mais desafiador do que o circuito apenas em terreno plano.
Cada corrida é um novo universo de sentidos e significados para mim, noves fora meu costumeiro exagero. Mas é assim que me sinto mesmo. Hoje voltei a ter este sentimento.
A corrida te leva ao autoconhecimento |
Reencontrei corredores paulistas |
Revi amigos de Barão de Cocais (MG) |
Eu não poderia mesmo ter perdido a novidade do percurso, tampouco a grata oportunidade de correr no “quintal da minha casa”, rever amigos que fiz em outras corridas e derramar um pouquinho mais no chão todos os meus sentimentos de alegria, tristezas, decepções, vitórias, conquistas, tão próprios de todo ser humano.
Hoje, conheci um pouco mais sobre mim mesmo e soube, também, que, embora seja doído, saber esperar é preciso.
Em cada medalha há uma história pra se contar |
Um abraço a todos.
Vamos correr.
PS: Meu post musical de hoje é para a inominável Cássia Eller, de quem continuo sendo fã número zero. Amanhã ela faria 50 anos. A canção é uma beleza do não menos incrível e eterno beatle Paul McCartney
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirAo contrário do que escrevi acima, não é de autoria desconhecida a frase "Ninguém se banha no mesmo rio duas vezes". O autor é Heráclito de Éfeso, filósofo pré-socrático, considerado o pai da dialética.
ResponderExcluirAgradeço à amiga Fátima Cunha pela leitura atenta do blog e por me alertar sobre o equívoco que cometi.