Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovakloff, levou-o para que
descobrisse o mar. Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das
dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas
alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus
olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou
mudo de beleza. E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando,
pediu ao pai: - Me ajuda a olhar!”
[Eduardo Galeano, in “O livro dos abraços”]
Considero maravilhosa a citação acima.
O pedido do menino Diego ao pai Santiago expressa, na minha opinião, de
maneira muito singela, toda a enorme confiança que o garoto, em sua inocência,
numa insegurança própria da idade, deposita no próprio pai, tamanha magnitude
do que via à sua frente naquele instante. O medo do desconhecido. O medo que
assusta. O medo da imensidão!
Lembrei-me da citação acima quando pensei em escrever este texto para falar
sobre minha experiência na corrida da Meia Maratona de Floripa, da qual tive o
delicioso prazer de participar no último domingo (17), em Florianópolis (SC),
em mais uma das gratas oportunidades que a corrida tem me proporcionado.
A esta altura você deve estar se perguntando: "O quem tem a ver
alhos com bugalhos, Chico com Francisco ou corrida com citação de livro que,
neste trecho, fala de menino inseguro diante da imensidão do mar?"
Eu te explico.
Quem já correu por lá ou lá esteve em alguma ocasião, não me deixará
faltar com a verdade: Florianópolis é um lugar tão lindo e agradável que eu, se
pudesse, queria ter muito mais que meus quatro olhos (incluindo os que tenho
com meus óculos) para dar conta não apenas de enxergar mas, mais que isso,
poder expressar o quão maravilhosa foi a experiência de correr pela primeira
vez tendo ao meu lado aquela imensidão do mar.
A coisa foi tão linda para mim que eu, ao correr, enfrentando o frio
leve e os 21.097 km que tinha pela frente, não sabia se me concentrava na
corrida e nas minhas estratégias de corredor ou se olhava para o mar, mesmo
sabendo que eu corria o risco de tropeçar nas próprias pernas e me esborrachar
no chão em poucos segundos.
Na dúvida, mantive a calma e resolvi fazer as duas coisas: corri com as
pernas, mas, também, corri os olhos (e com os olhos) a contemplar o mar.
Também, pudera: quando se fala em "ilha" - e, como todos
sabemos, Florianópolis, capital do estado de Santa Catarina é uma das
três-ilhas capitais do Brasil - nossa referência é delicada; imaginamos um
lugar lindo, paradisíaco, que dá asas à nossa imaginação (e às pernas, no caso
de um corredor como eu).
Por isso, nem vou me importar se vocês disserem que sou um corredor
romântico ou um sujeito maluco ou exagerado, que acha poder enxergar além da
possibilidade que nossos olhos oferecem.
Mas, cada um vê aquilo que quer ver e atribui os sentidos que quiser
também.
Nestas horas me defendo pensando em Fernando Pessoa, que, se não me
falha a memória, é o autor desta beleza: "Não sou do tamanho de minha
estatura, mas sim do tamanho do que vejo".
Portanto, como foi minha primeira vez (e a primeira vez sempre é muito
especial), permitam-me o derramento de palavras exageradas: amigos, eu estava
em um local banhado pelo Oceano Atlântico e numa capital que, segundo a ONU,
(dados de 2000), destaca-se por ser a capital brasileira com melhor índice de
desenvolvimento humano e também com melhor qualidade de vida.
Lugar com ruas e avenidas muito limpas, com um povo muito cordial,
educado e agradável, Floripa é, realmente, uma ilha. Da fantasia. Um lugar
ideal para um sujeito que fantasia tanto como eu!
Correr ali, sob o viaduto que passa próximo à famosa ponte Hercílio Luz,
no lado norte da ilha, numa subida que quase me fez miar de tanto esforço, já no
final da prova e, sobretudo, na orla da praia, foi uma sensação pra lá de
maravilhosa.
Correr em Florianópolis, para mim, foi a oportunidade de burilar o
olhar!
O fato é que em Floripa, mais uma vez, comprovei que a corrida, além das
tantas oportunidades que me propicia, tem me dado o prazer também (na verdade,
um grande e verdadeiro pretexto) para fazer turismo, conhecer outros lugares,
outras pessoas.
Conhecer a mim mesmo, porque a corrida é um grande encontro, tal como
foi a sensação sentida pelo menino Diego frente ao mar.
Aliás, muitos encontros em um só,
mas, para mim, particularmente, o encontro com o outro e, sobretudo, comigo
mesmo.
A corrida é uma viagem para dentro de mim mesmo. É quando o texto se
manifesta. É quando a poesia vem ao meu encontro.
A corrida é uma espécie de GPS interno, que ajuda a me localizar.
Nela, conheço-me mais um pouco porque vivo muitas sensações, as mais
diferentes e paradoxais possíveis. Beiro à agressividade, quando preciso imprimir um ritmo mais rápido e
nestas horas sou obrigado a testar meus limites e suportar minhas dores, mas,
daí a instantes ou a todo tempo, flerto com a doçura, porque apuro minha
sensibilidade, afino meu olhar vendo coisas no caminho, as ruas e avenidas, a
natureza em si, a enormidade das construções, o ritmo e a velocidade dos
carros, os atletas que correm ao meu lado, cada um do seu jeito, à sua maneira.
E tantas outras coisas!
A corrida comove.
E isso se dá em todas as possibilidades que este verbo é capaz de
abarcar: comover no sentido de nos tocar, nos provocar emoções e, em seu
aspecto mais amplo, de nos perturbar, nos causar inquietação e, portanto, nos
(co)mover para outras direções, outros caminhos.
Sim, eu enxergo tudo isso na corrida!
Desta vez, a corrida me levou a Florianópolis e, graças aos deuses, ao
contrário de todas as previsões, não choveu durante a prova (eu ando meio
traumatizado de correr na chuva, tantas já foram as provas que disputei
encharcado).
Também, nem precisava: a água do mar foi suficiente para, através dos
meus olhos, me deixar de alma lavada, com a sensação de mais uma etapa vencida!
Em breve, verei mais água do mar: Rio de Janeiro, no dia 8 de julho,
será minha próxima corrida!
Já gaguejando, com as pernas bambas e os dedos tremendo, peço a todos
vocês: não me deixem mudo de beleza e me ajudem a olhar (e a escrever) quando
eu estiver diante de toda a maravilha que a corrida me proporcionar!
Um abraço a todos.
Vamos correr!
Esse cara não é fraco. Conseguiu agregar à corrida, sua paixão, outra maravilha: conhecer maravilhas.
ResponderExcluirGlaysson, obrigado, amigo! A corrida também me dá o prazer de outra maravilha: as verdadeiras amizades, como a sua! Obrigado por sua presença constante aqui, com seus comentários, críticas e observações. Um abraço, amigo!
ExcluirCom certeza uma experiência maravilhosa correr num lugar lindo assim. Prazer no correr com oportunidade de conhecer novas pessoas e fazer amigos, perfeito! Parabéns Edu por mais essa corrida, fiquei com vontade de correr num lugar assim tb, correndo e observando o mar, já que aqui em Brasília só tem o Lago paranoá..rs
ResponderExcluirAbração,Gi.
Olá Gi, como vai? Floripa é realmente um lugar maravilhoso, ótimo para correr também. Espero que você tenha oportunidade de correr por lá algum dia, bem como em outros lugares tão lindos que nos esperam. Foi, de fato, uma experiência muito bonita para mim! Minha próxima parada é o Rio de Janeiro, no dia 8. Desnecessário dizer que aquele lugar também é mágico.
ExcluirObrigado, mais uma vez, por sua presença e seus comentários aqui. Um grande abraço!