Sem qualquer resposta que encontre "base científica", a mãe e a irmã dele resolveram apelar para as circunstâncias que cercaram seu nascimento para tentar conseguir entender o porquê deste menino, após 41 anos de vida, ter tanta paixão pela corrida.
Contam que ele tinha tamanha pressa de nascer, que a véspera e o próprio dia em que veio ao mundo foram uma verdadeira correria.
Naquele 29 de outubro de 1971 (um dia antes de receber do médico o tapinha no bumbum que marcaria sua estreia na vida), a mãe e o pai do menino saíram de um barracão onde moravam na rua Açucena, no bairro Nova Suiça, próximo ao Instituto Sagrado Coração, colado na Avenida Amazonas, em Belo Horizonte, e seguiram para a casa de um amigo, no bairro Prado, bem próximo dali.
Foram de táxi, afinal, naquele tempo, a grande maioria das pessoas não tinha carro e esta grande engenhoca humana não estava tão presente nas ruas como hoje - aliás, nem as ruas eram tão movimentadas assim. Não havia correria. Nem as coisas eram tão apressadas como na atualidade. Tudo era bem mais tranquilo.
Seria mais uma noite de um encontro informal de velhos conhecidos, que se reuniram para saborear um peixe trazido de Pirapora, cidade situada no norte de Minas Gerais, e degustar a famosa "branquinha". Sim, isto mesmo: a mãe, grávida de nove meses, foi beber cachaça. Naquele tempo, o povo sabia beber cachaça e não saia por aí matando uns aos outros por causa de qualquer coisa.
Saíram da casa do amigo correndo, altas horas da madrugada, pois, com o adiantado da barriga, o rebento rebentaria a qualquer momento. O único apressado para nascer era mesmo o menino, lembra a mãe.
No dia seguinte, 30 de outubro, logo pela manhã, começaram as fortes contrações, justamente no momento em que aquela mãe estava sozinha em casa com a única filha do casal, que contava um ano e quatro meses de idade.
Alguém precisava tomar conta daquela criança para que a outra pudesse nascer. Naquele tempo (como ainda hoje acontece em alguns lares), quem tomava conta das crianças para os pais saírem para o trabalho ou resolverem qualquer emergência eram as avós (materna ou paterna) - as empregadas domésticas que existiam não maltratavam tanto as crianças como, lamentavelmente, vemos alguns poucos casos ocorrerem hoje. A vida era mais bonita. As pessoas eram mais dóceis.
Foi uma correria só: aquele dia do nascimento do menino seria atarefado.
Lépida e sem pestanejar, a mãe pegou um táxi e se dirigiu à casa de sua progenitora, na rua Moema, no bairro Carlos Prates.
Vaidosa que era (e ainda é) tinha que correr muito antes de chegar ao hospital: precisava ir ao salão da Carlinda dar o trato final nos cabelos e nas unhas. Aquele momento sublime - o da chegada do rebento - pedia um quê a mais de boniteza.
Quando o marido chegou na casa da sogra, esbaforido, à procura da mulher, com intenção de levá-la ao hospital, informado que ela estava no salão de beleza, assim reagiu:
- Meu Deus do céu, que irresponsabilidade! O menino está para nascer e a mulher caçando arrumar cabelo...
E tome mais uma corrida, desta vez a do táxi, que chegou às 13h55 na porta do Hospital Samaritano - que também nem existe mais -, na rua Mauá, atual Avenida Nossa Senhora de Fátima, no bairro Padre Eustáquio, região Noroeste de Belo Horizonte.
Ainda bem que o médico que realizou o parto foi, com as mãos, tão ágil quanto Usain Bolt tem sido atualmente com as pernas, pois, com maestria, perícia e precisão cirúrgica trouxe à vida aquele menino, que, segundo relato da própria mãe, de tanta vontade de botar as pernas no mundo, nasceu cinco minutos depois da chegada ao hospital, exatamente às 14 horas.
A coisa foi tão rápida que a mãe nem teve tempo de colocar a camisola própria para a ocasião, mantendo-se ainda com o vestido com o qual saíra de casa em direção ao hospital. Foi assim, nesta condição, vestida desta forma, que a mãe se submeteu ao parto.
Extasiado com a chegada do filho - muito aguardado, afinal, era o primeiro do sexo masculino depois do nascimento de cinco filhas - o pai se juntou a um de seus cunhados e correu para a frente do hospital. Ali, sentaram-se no meio fio e, alegres e exultantes, beberam cachaça e fumaram charuto. (Percebe-se que, naquele tempo, beber cachaça era como beber água).
Nas palavras da mãe, acabara de nascer um "menino lindo (que mãe vai falar que o filho é feio, não é mesmo?), de cabelos lisos e muito pretos, de olhos puxadinhos, parecendo um japonesinho", pesando 2.450 gramas e medindo 49 centímetros.
Naquele 30 de outubro de 1971, mesmo após tanta correria, a mãe do menino comemorou duplamente: o nascimento de seu filho, mais uma de seus heranças, e o fato de não ter jogado dinheiro fora, pois, mesmo depois do parto, seus cabelos, arrumados tão apressadamente no salão, ainda estavam armados e lindos, prontos para mais uma festa. A festa de uma nova vida.
Aquele menino que nasceu naquela correria toda, cuja avó paterna um dia chegou a dizer que era "de outro mundo", sou eu.
Foi esta a história que minha mãe me contou mais uma vez, com ajuda da minha irmã, que disse, então, ter descoberto, enfim, nesta altura do campeonato, o porquê de eu ser "tão perturbado" da cabeça, talvez motivada (minha irmã) pelos meus esquecimentos, minhas trocas de palavras (quero dizer uma coisa, troco as palavras, misturo tudo e digo outra coisa completamente diferente) e minha "loucura" com a corrida, dentre outras coisas. Coisas de menino.
Não sei mesmo se toda esta história justifica minha paixão de corredor nem meus endoidamentos, mas o fato é que ainda tento manter um jeito de menino, que tem sofrido muito para crescer, e que continuará a correr muitos quilômetros e a sonhar outros tantos na busca incansável do tal "outro mundo" mencionado por minha avó.
O mundo de hoje é veloz, as coisas têm pressa. Ninguém espera nada ou pelo menos não sabe esperar. Paradoxalmente, eu corro para tentar caminhar pela vida com mais tranquilidade, com mais saúde, com mais calma. Nem sei se tenho conseguido. Pelo menos, tenho tentado.
Às vezes, com tanta correria na vida, é preciso seguir os conselhos de Lenine: fazer hora e ir na valsa (caminhando ou correndo todos chegaremos no mesmo lugar).
O mundo de hoje é veloz, as coisas têm pressa. Ninguém espera nada ou pelo menos não sabe esperar. Paradoxalmente, eu corro para tentar caminhar pela vida com mais tranquilidade, com mais saúde, com mais calma. Nem sei se tenho conseguido. Pelo menos, tenho tentado.
Às vezes, com tanta correria na vida, é preciso seguir os conselhos de Lenine: fazer hora e ir na valsa (caminhando ou correndo todos chegaremos no mesmo lugar).
Hoje, 30 de outubro, dia do meu aniversário de 41 anos, não vou deixar de fazer duas das coisas de que mais gosto: contar uma história e correr mais um pouquinho. Sem qualquer pressa. Quem sabe com uma dose de cachaça para brindar a vida.
Um abraço a todos.
Vamos correr.
Nossa Edu, bela história a sua!! Parabéns por mais um ano de vida. Deus abençõe a sua familia, sua vitórias e suas pernas!!
ResponderExcluirLily, obrigado por suas palavras e por todas as felicitações. Um beijo.
ExcluirVisite a minha págia www.lilymartins.com.br
ResponderExcluirIrei visitar e prestigiar, com certeza. Um grande abraço!
ExcluirMenino, que correria para nascer! Que correria para viver! As fotos estão lindas e aquele pulo de braços abertos é mesmo a sua cara. Jeito de acolher a vida de forma intensa, estabanada, mas com muita verdade e amor. Se tem uma coisa que não muda, mesmo com o passar do tempo, é o nosso olhar. Nos seus olhos miúdos (como os meus), embebidos pelo calor da cachaça...rsrsrs vejo a alegria das descobertas, feito deslumbramento de criança, trazendo ao coração a euforia dos sonhos. Transparência na vontade de ir além do contexto da racionalidade é saber-se humano e você, Dudu, não tem medo dessa "maratona". Vai fundo, em tudo, arriscando, tropeçando, machucando... na autenticidade de ser você. Meu amigo querido que tanto amo! Agradeço a Deus por fazer parte da sua história. Que ela seja ainda mais encantadora! Muita saúde, paz e realizações! Feliz Aniversário e um beijo enoooooooooorme!
ResponderExcluirPuxa, Sassá.. o que eu vou dizer? Você sempre consegue me arrancar lágrimas. Muito obrigado por tudo: pela oportunidade de ter conhecido você, ter compartilhado tantas prosas, poesias, risadas e alegrias como colega de sala, um sentado ao lado do outro. Obrigado por sua presença na minha vida. Obrigado por ser minha amiga. Obrigado porque me amas, assim como também te amo, muito. Um beijo! Coloque estas lindas palavras no meu mural no face, por gentileza...Suas palavras merecem repercussão!
ExcluirQue lindo!
ResponderExcluirObrigada por partilhar essa linda história.