domingo, 23 de setembro de 2012

O preço da corrida

A corrida é um esporte simples e um dos mais democráticos que existem: não custa quase nada, não diferencia classes sociais, tampouco sexo, peso ou idade e exige apenas que você coloque short, uma camiseta, um par de tênis, tenha disposição e força de vontade para sair correndo por aí, pelos parques, ruas e avenidas, certo?

Em termos.

Antes de apresentar meus argumentos, digo que não há nada de empírico aqui, naquilo que pretendo escrever.

Vou falar da minha própria experiência de corredor amador, das leituras das revistas especializadas em corridas e, claro, das minhas observações.

Além disso, gostaria de dizer que a ideia de escrever este texto nasceu, principalmente, a partir da constatação de que, a cada corrida, o preço das inscrições para participar das provas é tão veloz ou mais que as passadas dos quenianos e etíopes que vencem maratonas mundo afora, batendo recordes atrás de recordes.

A resposta para a pergunta que fiz logo no início deste texto apenas seria um "sim" para aqueles que correm por correr, sem compromisso ou exigências maiores. É positiva a resposta apenas para os que saem de casa e dizem assim: "vou ali dar uma corridinha e já volto".

Assim, correr sozinho, sem companhia, ou misturar-se aos homens e mulheres, aos gordos, magros, aos mais novos ou de mais idade, àqueles de qualquer classe social, credo ou raça não é algo que vá mexer tanto assim no seu bolso. Bastam mesmo um tênis, um short e uma camiseta.

Todavia, se você começa a correr e toma gosto pela coisa  - corredor apaixonado que sou, ouso dizer que o risco disso acontecer é grande, pois a corrida é um vício delicioso - logo irá resolver participar de provas de rua.

É aí que a prosa muda de rumo, porque os gastos começam a aparecer e a fazer da corrida um esporte nem tão barato assim.

Por um lado, é fácil entender os motivos pelos quais a corrida começa a espalhar pelo asfalto cifrões atrás de cifrões, tal qual um Tio Patinhas de tênis.

Basta olhar alguns números: de 2005 para cá, pulou de dois milhões para mais de quatro milhões o número de corredores amadores - a imensa maioria  paga para participar das muitas provas de rua que se espalham pelo país em praticamente todos os finais de semana. 

Este "entusiasmo", que faz da corrida um esporte que está na crista da onda, ou melhor, das ruas, tem a ver não apenas com a busca por uma vida mais saudável, mas, também, com a crescente "profissionalização" do esporte.

As assessorias esportivas

Atualmente, são muitos os atletas - notadamente amadores - que recorrem às assessorias esportivas  (especializadas em organizar treinamento) para melhorar o rendimento, conhecer as técnicas apropriadas para alongar, respirar, enfim, correr melhor.

Dependendo do quanto a assessoria é conhecida ou reconhecida no mercado, do tipo e da qualidade do serviço que é capaz de oferecer, pode-se dizer que, em média, um atleta amador pague não menos que R$ 70,00 para contar com este tipo de auxílio - eu conheço casos de algumas assessorias que cobram, por mês,  R$ 150,00 ou mais dos alunos.

Lembra lá do início do texto, quando eu falei que quando se pega gosto pela coisa, o caboclo começa a querer participar de uma prova atrás da outra?


Pois é. Picado pelo tal "bichinho da corrida", o sujeito faz uma inscrição aqui, mais uma ali, outra acolá.

Mas, antes disso ou no decorrer do grau da paixão que começa a nutrir pela corrida, ele sente uma espécie de fissura, aquela vontade incontrolável de fazer parte da tribo de maneira mais bonita, mais elegante, mais apropriada.

O tênis

E, então, passado um tempo, aquele tênis que ele comprou já não basta mais. 

Daí, passa a querer um mais novo - provavelmente mais caro (um modelo bacana, apropriado, não saí hoje por menos de R$250,00, em média), mais bonito, aquele modelo que mais se adeque ao seu tipo de pisada, que lhe dê mais conforto, um par de tênis que possa melhorar seu rendimento. 

Ou quer o novo tênis por pura vaidade mesmo, quem sabe por entusiasmo exagerado mesmo ou puro descontrole, algo que, aliás, combina mais comigo.

Deixa eu contar mais uma historinha.

Quase sempre, quando vamos pegar o kit de inscrição para participar de uma prova, a organização monta uma feira em que coloca em promoção os produtos relativos às corridas (tênis, agalhasos, shorts, camisas, etc). É uma verdadeira tentação, sobretudo para um desnorteado financeiro como eu.

Em junho deste ano, quando fui para Santa Catarina participar da Meia de Floripa, ao pegar o kit de inscrição, quase enlouqueci quando vi em uma das prateleiras um tênis similar ao que utilizo, custando R$100,00 a menos. O detalhe é que o tênis que eu levei para correr estava simplesmente novíssimo (foi aquele que ganhei de um amigo, na campanha "Ajude o Durães a correr mais e melhor").

Então, resolvi que pelo menos um par novo eu compraria. Eu disse um par??? 

Claro que não.. Já que estava em promoção, resolvi pegar logo dois.

Coloquei um par debaixo de cada braço, todo serelepe.

Vi os olhos do vendedor brilharem mais que as estrelas vistas por um sujeito que está apaixonado pela mais bela moça, numa noite de luar.

Vi loja em polvorosa. Sério. Quem é que, ali, mesmo na promoção, pegaria dois pares de tênis (modelos dos mais caros, aliás) e levaria para casa?

Vi os potenciais compradores pensando assim: "este aí está podendo"!

Vi o homem do caixa coçando os dedos para digitar o número do cartão e registrar mais uma venda pra lá de bacana.

Mas, vi, finalmente, meu entusiasmo e descontrole pararem na negativa da minha controlada e lúcida namorada, que se recusou a emprestar o cartão de crédito e evitou o que seria a bancarrota de Durães. Levei um par apenas.

Um relógio, um short, mais uma medalha...


Então, voltando ao entusiasmo com a corrida, se o sujeito for tão motivado quanto eu, ele começará a querer ampliar sua quilometragem, irá pensar em investir em recursos tecnológicos, comprar um relógio mais sofisticado - que mede sua frequência cardíaca, a queima de gordura, quantas calorias você perdeu, etc - meias especiais, um short diferente e, tomado pelo entusiasmo, provavelmente, vai querer melhorar seu tempo, garantir mais uma medalha...


De repente, já não basta mais correr apenas na sua cidade. Então, o camarada já pensa em ir para o município vizinho, daí a pouco para outro estado; daí a pouco correr em outro país.

É aí que vem a tal da inscrição. Eita coisinha que tá ficando cara, viu.
Para se ter uma ideia, hoje, em qualquer prova mediana da qual você venha a participar, a inscrição não sai por menos que R$ 60,00. Se for fazer três num mês...

São Silvestre salgada

Aí vai um exemplo.  

Acaba de ser aberto o período de inscrições para a tradicional Corrida de São Silvestre, que ocorre em São Paulo e que, este ano, além das alterações no percurso da prova, será disputada pela manhã, coisa inédita em sua 88ª edição.

O preço: R$120,00. No ano passado, paguei R$90,00 para fazer minha estreia nesta corrida, ou seja, houve um aumento de 30% no valor de um ano para o outro. Fora isso, há, ainda, os custos com passagem, estadia, alimentação...

O fato é que a corrida se tornou  um negócio muito lucrativo: atualmente, estima-se que a venda de produtos e artigos esportivos específicos para corredores - ai incluídas as bebidas ( isotônicos) e o turismo voltado para o esporte - movimente mais de R$ 3 bilhões por ano, números que tendem a crescer.

Nem mesmo os itens (toalhas, garrafinhas, bonés, munhequeiras, barras de cereais, bolsas e outros) do kit de participação entregue nas provas justificam o abuso no valor cobrado pela organização das corridas na atualidade.

Tudo na vida tem um preço, literal ou metaforicamente. Até com uma paixão é assim!

O preço que se paga para correr é ter mais prazer, ser mais saudável e feliz. A corrida pode mudar sua vida!

Portanto, faça suas contas, mas não deixe de colocar os pés nas ruas para correr. 

Embora a inscrição nas corridas não esteja nada barata, correr continua sendo um grande barato, com o perdão do trocadilho.

Um grande abraço.

Vamos correr!



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